Joaquim tomava sempre o mesmo iogurte pela manhã. Um dia, viu na televisão um produto com a imagem de um personagem que ele gostava muito. Queria aquele. Quando viu a embalagem do lanche habitual servido pela mãe, desatou num choro. A sequência de meia hora de birra da criança de 3 anos fez a mãe entender o peso da interferência da TV na vida familiar. "A televisão influencia de forma quase definitiva na escolha da criança por mexer com uma camada mais profunda dos seus desejos e ter um impacto 'real' na vida dos pequenos", constata a professora de inglês Isabella Batista, de 26 anos, mãe de Joaquim.
O caso não é exceção. Oitenta por cento das decisões de compra das famílias são influenciadas por crianças, segundo um estudo da TNS/InterScience, de 2013. Em geral, os pequenos pedem produtos alimentícios (92%), seguidos por brinquedos (86%) e roupas (57%).A obesidade infantil relacionada à propaganda atinge crianças do mundo inteiro e já levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a apontar a necessidade da regulação da publicidade de alimentos. Em 2012, durante o congresso World Nutrition 2012, a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) publicou o documento "Recomendações para Promoção e Publicidade de alimentos e bebidas não-alcoólicas para crianças nas Américas".
Além da obesidade – que leva a doenças crônicas como cardiopatias, hipertensão, diabetes e alguns tipos de câncer –, a propaganda infantil também estimula o materialismo, o individualismo e a violência. Pesquisa da Fundação Casa em parceria com a Organização das Nações Unidas (ONU) aponta que mais da metade dos adolescentes internados por conflitos com a lei estão envolvidos em crimes ligados a bens de consumo. Também compõem a lista de problemas causados pelo excesso de publicidade destinada a crianças: o estresse familiar – quando há um desconforto no interior dos lares gerado pelos pedidos sucessivos das crianças e da incapacidade dos pais de atender –, e o endividamento das famílias. "Um total de 64% das mães afirmaram já terem se endividado para agradar os filhos", diz Renato Godoy, do programa Criança e Consumo do Instituto Alana
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) é contrário a qualquer propaganda dirigida às crianças. "O Idec entende que toda publicidade que tem o público infantil como interlocutor desrespeita o princípio da identificação, pois a criança não tem condições de analisar criticamente o interesse mercadológico que existe por trás da informação direcionada a ela", aponta o instituto. "Por ser hipervulnerável às práticas de marketing, esse público merece especial proteção", considera a advogada do Idec Mariana Ferraz, em texto veiculado na página do instituto.
Legislação
Segundo a publicação Caderno Legislativo: Publicidade Infantil, do projeto Criança e Consumo do Instituto Alana, no Brasil, a publicidade dirigida ao público infantil já pode ser considerada ilegal, apesar de não existir uma norma específica para o tema. Trata-se da interpretação da Constituição Federal, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), da Convenção das Nações Unidas sobre as Crianças (Decreto no 99.710/1990), do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) e da Resolução nº 163, de 13 de março de 2014, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – Conanda.