Em um lugar, a representação cênica da busca e captura de Jesus Cristo, feita numa cidade iluminada apenas pelas tochas dos perseguidores, foi cancelada. Em outro, as missas que celebrarão algumas das datas mais importantes da Igreja Católica até acontecerão, mas sem nenhum fiel acompanhando ao vivo.
Festividades religiosas alusivas à Semana Santa deixarão de ser realizadas ou ocorrerão sem público pela segunda vez devido à pandemia. E, mesmo onde acontecerão, foram feitas modificações para tentar impedir a disseminação da Covid-19.
Em Aparecida, no interior de Sâo Paulo, havia a expectativa de a região entrar na fase vermelha do Plano São Paulo, o que permitiria a celebração de missas com até mil fiéis na basílica, que comporta 35 mil pessoas.
Mas a manutenção da fase emergencial impediu que o plano se concretizasse e toda a programação de missas do Santuário Nacional ocorrerá sem a presença de público. Haverá transmissão pelas redes sociais, aplicativo e pela TV Aparecida. Por conta dos riscos da pandemia, ritos que celebram a paixão, morte e ressurreição de Cristo foram modificados.
Nesta quinta-feira (1), por exemplo, haverá a missa da ceia do Senhor, às 20h, relembrando a última ceia de Cristo com os apóstolos. O lava-pés não será realizado para evitar o contato físico entre os fiéis.
A decisão leva em conta orientação da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, órgão do Vaticano que é responsável pelas diretrizes das celebrações.
Já na Sexta-feira Santa (2) será feita uma oração por aqueles que sofrem com a pandemia, pelos doentes e aqueles que já se foram, com exclusão do tradicional beijo na cruz, dado no crucifixo durante a cerimônia –apenas dom Orlando Brandes, arcebispo de Aparecida, fará o gesto.
No sábado (3), a principal celebração será a Vigília Pascal, às 20h, na basílica nova. É a primeira cerimônia católica a comemorar a ressurreição de Cristo.
"A Vigília celebra a memória da noite santa, em que Jesus ressuscitou, e é considerada a mãe de todas as santas vigílias, como disse santo Agostinho, pois nela a Igreja se mantém de vigia, à espera da ressurreição do Senhor. É o cume do ano litúrgico", afirmou, via assessoria do santuário, o missionário redentorista padre Alberto Pasquoto. No domingo (4), haverá três missas, às 8h, 12h e 18h.
A pandemia fez com que a Aparecida deixasse de receber R$ 1 bilhão em um ano, segundo o prefeito Luiz de Siqueira (Podemos), que diz que o município está "totalmente quebrado".
O principal argumento é o de que 95% da economia tem elo com o turismo religioso, que antes da pandemia atraía cerca de 12 milhões de pessoas à cidade por ano.
"Hotéis, restaurantes, lojas, demitiram todo mundo e estão fechados. As fabriquetas de artigos religiosos estão paradas. Uma cidade que recebia até 170 mil pessoas aos domingos, alegre, hoje é uma cidade triste, tudo parado", disse.
Os fiéis poderão se dirigir a Aparecida nesta semana e visitar a basílica e a imagem da padroeira do Brasil, Nossa Senhora Aparecida, mas a igreja será fechada para as celebrações das missas.
Em outros locais do interior paulista, as celebrações serão somente virtuais, como na área de abrangência da Arquidiocese de Ribeirão Preto, composta por 20 municípios –as paróquias estão divulgando em suas redes sociais os horários das celebrações.
Já em Goiás, cidade histórica antiga capital do estado homônimo, a tradicional Procissão do Fogaréu deixará de ser realizada em 2021 pela segunda vez em 276 anos –a primeira foi justamente no ano passado.
A procissão é marcada pela participação de fiéis segurando tochas e usando indumentária especial. É considerada o ponto mais emocionante da Semana Santa na cidade goiana por conta de sua beleza plástica, ao representar a busca e captura de Jesus em meio às luzes da cidade apagadas. Apenas as tochas levadas por fiéis iluminam as ruas.
"Não tem como não se emocionar, mas, como está [o cenário da pandemia], é impossível receber público para a procissão", disse Rodrigo Santana, secretário do Turismo e Desenvolvimento Econômico da cidade. A saída foi fazer uma transmissão pelas redes sociais da prefeitura.
A programação na cidade terá atividades religiosas até a Páscoa, no domingo, com a procissão da Ressurreição, às 19h. Ela e as demais celebrações também serão exibidas nas redes sociais com imagens de anos anteriores.
Apesar das restrições impostas pela pandemia, a cidade não está fechada. A prefeitura impôs limites de 50% de ocupação em todos os locais e implantou barreira sanitária na entrada da cidade. A partir de 22h30, entra em vigor o "toque de consciência", paralisando todas as atividades.
A procura por hotéis, porém, está baixa. Há estabelecimentos com apenas 10% de reservas. A capacidade hoteleira local é de 1.600 leitos –com o limite, cai para 800. Historicamente, a cidade de 24 mil habitantes recebe 50 mil turistas na Semana Santa, a maioria retornando aos seus municípios de origem no mesmo dia. Neste ano, ela completa 20 anos do reconhecimento pela Unesco como patrimônio cultural mundial.
Bispo da diocese de Goiás, dom Jeová Elias afirmou em vídeo que as pessoas não devem deixar de celebrar a Páscoa. "Nunca nos demos por falecidos. A esperança não deve ser apagada do nosso coração."
Há locais que pretendiam receber fiéis, como igrejas de Ouro Preto, em Minas Gerais, mas a passagem do estado para a fase roxa impede a presença de público nas celebrações.
Todas as missas serão virtuais e transmitidas por meio das redes sociais da prefeitura ou de paróquias.
A intenção era receber a presença de poucos fiéis nas igrejas, que seriam selecionados por meio de convites distribuídos por coordenadores das comunidades.