Em meio à pandemia de Covid-19, hospitais estão restringindo visitas de mães e pais de bebês prematuros internados em UTIs neonatais para evitar o risco de contágio do coronavírus.
Na falta de um protocolo único a ser seguido, cada instituição adota suas próprias regras. Há casos de hospitais que chegaram a separar totalmente mães de seus filhos durante quatro meses. O bebê precisa desse vínculo para um desenvolvimento saudável.
Nas maternidades privadas, também foram adotadas restrições, como proibição de visitas de irmãos, avós e outros familiares, mas, no geral, há permissão para que mães e pais se revezem com o bebê.
Há uma campanha em curso em países como Alemanha, Reino Unido, Austrália, Israel, México e Estados Unidos em defesa da separação zero entre pais e bebês prematuros durante a pandemia. A iniciativa envolve mais de 140 organizações e, no Brasil, foi encampada pela Associação Brasileira de Pais, Familiares, Amigos e Cuidadores de Bebês Prematuros, conhecida como Prematuridade.com.
"Mesmo com o distanciamento social, é importante garantir o vínculo. Os prematuros precisam da presença dos pais. São mais vulneráveis, e podem ficar com sequelas físicas, motoras e cognitivas. Fechar as portas da UTI para mães e pais é uma situação totalmente absurda", diz Denise Suguitani, diretora-executiva da entidade, que tem 4.000 famílias cadastradas.
Segundo ela, as separações têm ocorrido mais em maternidades públicas, mas há relatos também de restrições em instituições privadas, especialmente nos períodos de alta de casos de coronavírus.
Durante os quatro meses em que o filho Nicolas Levi ficou na UTI neonatal de um hospital público de Fortaleza, Luana Oliveira, 22, de Itapajé (CE), só conseguiu visitá-lo uma única vez.
Nicolas nasceu em 10 de abril, na 30ª semana de gestação, pesando apenas 615 gramas –peso considerado baixo mesmo para a idade gestacional. Foi direto para a UTI neonatal. "Eu só vi ele do lado de fora da janela. Foi desesperador voltar para casa sem ao menos ter tocado no meu filho, eu só chorava."
Luana conta que a maternidade ofereceu suporte psicológico e que todos os dias funcionários ligavam para dar notícias do bebê. Duas vezes por semana, enviavam fotos. A mãe só foi autorizada a visitar Nicolas 110 dias após o nascimento. Nessa altura, ele pesava 1,5 kg.
"Tive medo que ele não me reconhecesse. Mas quando Nicolas me viu, a nossa conexão foi tão forte que eu percebi que ele nunca tinha me esquecido. Ele sorriu, tentou pegar no meu rosto. Foi o dia mais feliz da minha vida."
O bebê teve alta no dia 20 de agosto, pesando 2,2 kg. Só nessa data é que veio a conhecer o pai, José de Lima, 28.
O caso de Nara, de Pinheiro (MA), é mais dramático. Ela só conseguiu ver a filha Cecília Vitória 52 dias após o nascimento, quando já havia sido declarada a morte cerebral da menina, em 10 de julho.
O bebê nasceu pesando 1,22 kg, de parto normal, e foi levado para uma maternidade com UTI neonatal da capital maranhense, São Luís, por causa da prematuridade.
"O único momento em que a vi foi quando estava sendo transferida de ambulância, dentro de uma incubadora fechada. Quando chegamos ao hospital, fui informada que não poderia acompanhá-la devido à Covid, era regra do hospital. Não cheguei nem a pegá-la no colo", conta a mãe.
O médico de plantão telefonava para Nara às segundas, quartas e sextas com notícias. No período, Cecília teve anemia, fez transfusão de sangue, sofreu enterocolite (inflamação do trato digestivo), foi intubada, depois extubada.
"Um dia fui chorando até a sala da assistência social e pedi para que pudesse ver a minha filha, ao menos levar um lacinho dentre os inúmeros que eu havia comprado. Mas não tive êxito, alegaram que era para o bem dela."
Nara conta que dois dias depois de a filha sair da UTI e ainda sem conseguir visitá-la, foi informada que Cecília havia regurgitado, se "afogado" e sofrido uma parada cardiorrespiratória de 15 minutos.
"Foram longos e eternos 16 dias em coma. Um dia recebi a ligação para comparecer ao hospital. Fui avisada que ela estava sem atividade cerebral. Só então pude vê-la bem de pertinho, pegá-la no colo, beijá-la, acariciá-la, fazer o método canguru."
O método canguru consiste colocar o bebê prematuro em contato pele a pele com a mãe ou com o pai. Há uma série de benefícios associados a ele, como melhor desenvolvimento neurocomportamental e psicoafetivo do bebê, redução do estresse e da dor.
Segundo Jefferson Piva, professor titular de pediatria da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e chefe da UTI pediátrica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, a ausência de contato com a mãe é extremamente prejudicial ao bebê prematuro.
"O desenvolvimento dos prematuros não depende só de tecnologia. Não adianta só ligar o respirador, os monitores, as bombas de infusão. Eles precisam da interação com a mãe."
Para o pediatra, é compreensível que, em um primeiro momento, hospitais tivessem tido que tomar medidas restritivas adequadas às condições estruturais de cada um.
Mas dez meses depois do início da pandemia, avalia, não há justificativa para que bebês prematuros estejam afastados dos pais. "Não é possível que nessa altura não encontraram uma solução melhor do que proibir a visita", diz ele, também é especialista em medicina intensiva.
O médico se preocupa ainda com instituições que permitem a entrada das mães na UTI, mas proíbem que elas saiam do hospital e retornem ou até mesmo que se revezem com o pai ou alguém da família.
A chef Beatriz Karan, 24, de São José do Rio Preto (SP), enfrentou essa situação. O bebê nasceu em 6 de maio, com 620 gramas, na 26ª semana de gestação, e permaneceu pouco mais de cem dias na UTI.
No início, a maternidade privada permitia uma visita por dia de meia hora, da mãe ou do pai. Com o agravamento da pandemia em julho, a instituição passou a autorizar a visita apenas da mãe.
O bebê morreu em 17 de agosto. "Nas últimas três semanas de vida dele, meu marido não pode vê-lo. Nem fazendo o exame da Covid, eles não deixaram. Mesmo com o meu filho já bem ruim, eu tinha que receber as notícias e entrar na UTI sozinha", conta.
Segundo a psicóloga Heloisa Salgado, especialista em psicologia da infância, a separação de bebês prematuros das mães, em menor grau, já acontecia antes da Covid em muitas instituições, com impacto emocional grande para ambos.
Com a pandemia, a situação foi agravada. "Todos os protocolos da Covid se pautam apenas na perspectiva da segurança física, evitar a contaminação. Claro que isso é fundamental. Mas as pessoas não podem se esquecer do risco emocional. Essa conta cedo ou tarde vai chegar."
A psicóloga diz que no caso das mães e pais que perderam bebês nesse período de afastamento, o luto será ainda mais devastador. "Não ter podido conhecer, conviver, criar memórias físicas, sensoriais, emocionais, é um buraco que pode levar a lutos bem complicados. Precisamos evitar isso."