Neste momento de pandemia, privilégio é trabalhar em casa. Mas, se o home office diminui o risco de contágio pelo novo coronavírus, pode aumentar o de esgotamento físico e mental.
Profissionais estão tendo de se adaptar no susto ao sistema remoto, ao mesmo tempo em que cumprem a quarentena sozinhos ou com toda a família. E tudo isso sem redução do volume de trabalho.
O professor Douglas Sanches, 39, nunca esteve tão atarefado. Há duas semanas, ele se dedica à criação de um ambiente virtual de aulas para a escola na qual é assessor pedagógico, em Guarulhos, na Grande São Paulo.
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"Eu fico o tempo todo online para tirar dúvidas em seis grupos de WhatsApp, carrego o celular três vezes por dia. O desgaste é muito maior", diz.
Depois de exceder o expediente nos primeiros dias, ele e seus colegas chegaram à conclusão de que precisam respeitar o horário comercial para não enlouquecerem. "Mesmo assim, das 8h às 18h não tenho pausa. Se eu parar, vou ter que esticar o trabalho."
A publicitária Laura (nome fictício), 26, tem começado a jornada antes do horário, terminado depois e reduzido o intervalo de almoço. "Se você é ansioso e tem prazos curtos de entrega, o home office te estimula a não cumprir os momentos de descanso", afirma.
Ela sente pressão para se manter disponível o tempo todo e responder as demandas imediatamente. "E, depois de trabalhar, você ainda está em casa isolada e preocupada com a doença. É extenuante."
O clima de exceção aumenta a sensação de desgaste, diz Maria da Conceição Uvaldo, pesquisadora do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo). "As tarefas podem ser as mesmas, mas a situação não é a mesma. O trabalho fica mais denso e difícil."
A rotina foi quebrada e, para manter a saúde física e mental, é preciso criar novos hábitos. "Em alguns casos, a pessoa sente que está com excesso de trabalho, mas na verdade ela está desorganizada", diz.
É importante respeitar os momentos de pausa e estabelecer um lugar de escritório, que pode ser um cômodo ou até mesmo uma mesa. Assim, ao sair dali, a pessoa está se desligando das tarefas.
Isso também sinaliza para outros moradores da casa, principalmente para as crianças, que quando o profissional está naquele espaço não deve ser incomodado.
Estabelecer uma nova rotina tem sido um desafio especialmente para quem está em casa com filhos pequenos.
Gerente de RH em uma grande empresa, Larissa (nome fictício), 36, teve um aumento considerável no volume de trabalho por causa do período conturbado. Ao mesmo tempo, precisa dar atenção integral à filha de 2 anos.
O marido está em home office, mas só ajuda no cuidado com a criança. "As responsabilidades principais ficam para mim. Há um machismo estrutural, muitos homens não foram nem estimulados a desenvolver algumas habilidades."
Para dar conta de tudo, ela tem feito reuniões por teleconferência mais rápidas durante o dia e estendido a jornada até a madrugada. "Este contexto mexe com o relógio biológico, tem um estresse, uma incerteza. Isso não é sustentável, baixa a imunidade de qualquer um", diz Larissa, preocupada em se manter saudável durante a pandemia.
Com filhos maiores, de 5 e 7 anos, a secretária-executiva Simone dos Reis, 35, enfrentou dificuldades na primeira semana de home office, mas agora se diz adaptada à rotina.
Ela conta com o apoio da empresa para fazer um horário mais flexível, com pausas três vezes ao dia, para dar as refeições às crianças e ajudá-las com a lição de casa, que precisa ser enviada às escolas.
"Se não estou online ou não respondi no WhatsApp, os executivos sabem que é porque estou com os meus filhos", afirma Simone, cujo marido precisa trabalhar fora de casa.
Neste período, a companhia também passou a oferecer aulas virtuais com exercícios de respiração todas as manhãs, das quais Simone participa com os filhos.
"As empresas têm de fazer a sua parte. É preciso deixar claro do que os funcionários serão cobrados e qual é a compreensão da companhia para este momento", diz Tania Casado, professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP.
"Nas reuniões, vai ter criança, cachorro, porque a vida é assim, e o mundo não é mais o mesmo", completa.
Para a psicóloga Maria da Conceição Uvaldo, as empresas devem ter um canal para ouvir as demandas dos trabalhadores e para passar informações sobre o que acontece dentro da companhia, o que pode reduzir a angústia dos funcionários -por exemplo, em relação à situação financeira da organização na crise.
Além disso, é importante manter, por videoconferência, as mesmas reuniões que seriam feitas no dia a dia da equipe, para diminuir o impacto do isolamento social.
A Rebel, startup de empréstimo online, aderiu ao sistema remoto em 16 de março. Dois dias depois, alguns profissionais comunicaram que estavam se sentindo sozinhos.
Então, a empresa, com 70 funcionários, decidiu criar a hora do almoço e do café virtuais. Todo dia, uma sala de vídeo fica disponível para quem quiser conversar durante o intervalo das atividades.
"Não é obrigatório, mas teve adesão grande. A conexão entre as pessoas tem sido até mais forte do que era pessoalmente", afirma André Bastos, 37, diretor de operações.
A fintech Olivia, com 45 funcionários, também quis manter os momentos de confraternização. Um deles é o happy hour, que acontece toda terça, e agora está sendo realizado virtualmente.
Cada um pega seus comes e bebes e conversa por meio da tela com os colegas, conta Lucas Moraes, 30, fundador da startup. "Nossa preocupação foi manter o espírito de time."
A adoção forçada do home office pelas empresas neste momento deve intensificar o uso do trabalho a distância quando tudo voltar ao normal, na opinião de Tania Casado, professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP.
"Na hora em que a gente sair desta situação, vai ter aprendido a lidar melhor com ela e se habituado a outro patamar."
Márcia de Paula Leite, professora de sociologia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), acredita que deva haver, sim, expansão, mas que não será tão expressiva.
"É possível que as empresas mantenham alguns dos seus trabalhadores em home office, coisa que não aconteceria se não tivesse ocorrido a pandemia. Mas é um pouco prematuro dizer que haverá grande salto por causa disso", diz.
Isso porque, segundo a professora, muitas atividades não são realizadas com a mesma qualidade a distância. E muitas companhias ainda vão preferir que os funcionários trabalhem sob sua supervisão.
"Existe uma certa glamorização do home office. Ele pode ser uma solução, mas não é para todos, porque interfere na vida familiar, na divisão sexual do trabalho e na socialização das pessoas."