Lidar com a morte é uma questão difícil para a maioria das pessoas. Para a psicóloga Lucélia Paiva, essa dificuldade existe porque a maioria de nós não é preparada desde cedo para entender e compreender o assunto. Autora do livro "A arte de falar da morte para crianças", Lucélia conta que a ideia de escrever sobre o tema surgiu depois de uma experiência de trabalho em hospitais. "Acompanhei de perto a dificuldade que as pessoas têm de lidar com a morte. Percebi que todos tinham que ter um entendimento melhor da morte e isso tinha que vir desde cedo, desde criança. A partir daí fui trabalhar em escolas, procurei saber como as crianças entendem e encaram a morte, enfim, queria oferecer a elas a oportunidade para falarem e perguntarem sobre o tema", conta.
Lucélia explica que a criança começa a entender o conceito de morte quando consegue entender a universalidade (a morte acontece para todos), a funcionalidade (aquele corpo não tem mais vida, não vai poder mais andar, respirar nem o coração vai mais bater) e a questão do irreversível (a morte é definitiva). "Isso tende a acontecer entre os 5 e 7 anos, mas varia", diz.
A terapeuta ocupacional Carolina Vidal precisou lidar com essa situação várias vezes e conta que nunca foi muito surpreendida, já que as crianças geralmente são sinceras com seus sentimentos e bem resilientes – conseguem dar a volta por cima depois de um momento difícil.
"Sempre digo a verdade. Dependendo da idade, a criança entende a irreversibilidade da morte. Nesse caso, pergunto como ela está se sentindo, se compreende o que significa, ajudo a acessar seus sentimentos em relação à perda. Reforço que ela pode chorar e que isso não vai piorar. Sempre procuro falar que a saudade, depois de um tempo, vira uma coisa boa e que é importante guardar as memórias, porque são elas que vão nos ajudar. Evito usar metáforas ou fantasias, as crianças conseguem e precisam compreender o que é perder alguém", diz.
"Mãe, o que é a morte?"
Para Lucélia, as pessoas devem falar sobre morte com a criança sem rodeios, mesmo antes de uma morte próxima acontecer. "A criança já vê ou ouve falar da morte quando um animalzinho ou uma plantinha morre, até mesmo em histórias infantis. O que a criança precisa é que a pessoa que vai falar com ela se expresse com afeto, segurança e acolhimento para que todos esses sentimentos sejam transmitidos", afirma a psicóloga.
Um cuidado a ser tomado é trazer a temática e dar abertura e liberdade para a criança tirar suas dúvidas, chorar, perguntar, falar o que acha e o que está sentindo. "É melhor a explicação ser curta e os pais darem espaço para as crianças fazerem as perguntas", diz a psicóloga Cecília Zylberstajn.
Virou estrelinha
Ana Paula Gimenes precisou contar para o filho Enrico, de 3 anos, que a bisavó tinha morrido: "Começamos perguntando se ele lembrava que a Bisa estava ‘dodói’ e ele disse que sim. Falei que o papai do céu achou melhor ela virar estrelinha para ficar boa e que toda vez que ele olhasse para o céu, ela estaria olhando para ele e o protegendo. No começo, ele falava que era muito longe, mas agora ele olha para o céu e fala ‘olha a bisa mamãe’ e conversa com ela", conta.
Cecilia Lazzeri e Francine Gissoni passaram exatamente pela mesma experiência com filhos de 3 anos e também recorrem à história da estrelinha, mas as reações foram diferentes. "Ele sempre fala que a avó virou estrelinha", diz Cecilia. "Já a Bruna perguntou: ele morreu, né mamãe?", conta Francine.
Para a psicóloga Cecília Zylberstajn, não há mal em usar metáforas quando a criança ainda é muito pequena. "A história da estrelinha ajuda a fazer a transição, para a criança entender que a pessoa não está aqui, mas está em outro lugar. Quando muito novas, elas não entendem o fim da vida e falar sobre transformação ajuda", diz.
Velório
A psicóloga Virginia Garrote lembra a experiência com seu filho, Vinicius, quando tinha apenas cinco anos e perdeu o avô. "Nós o levamos ao velório, coloquei-o sentado na mesa de mármore ao lado do caixão. A primeira pergunta que ele me fez foi como era morrer. Disse-lhe que era como dormir para sempre e então ele respondeu: mãe, mas se ele está dormindo, por que está de terno e gravata? Ele está muito gelado, por que vocês não o cobrem com um cobertor?", conta.
As perguntas não paravam de pipocar, e Vinicius queria saber por que o avô não estava respirando, por que puseram flores no caixão, o que iriam fazer com o corpo dele e quando iria vê-lo. "Nós tínhamos por princípio que as crianças, mesmo as pequenas, deveriam conviver com a morte, para não deixá-las sem saber por que as pessoas tinham desaparecido de suas vidas, dificultando o processo de perda."
Lucélia concorda com a abordagem, pois entende que os rituais são importantes e, mesmo um velório sendo chocante, o contato com a realidade é necessário. "O que o adulto pode fazer é explicar o que é, dar a opção de a criança ir e, se ela topar, converse bastante com ela e com as pessoas que estarão no local, para que tentem (se possível), enquanto a criança estiver lá, não tornar o ambiente algo caótico ou muito dramático."
Ainda assim, é preciso respeitar os limites da criança. "Não vejo problema se ela for até a metade do caminho e desistir. Se quiser ir, mas não olhar o corpo, tudo bem também, assim como se quiser ver como é." Segundo Lucélia, a pessoa que acompanhará a criança o tempo todo deve ser alguém de confiança e que consiga estar mais equilibrada, dentro da situação, e mais calma: "Nem sempre essas pessoas são os pais".
Luto
Sabrina Bittencourt sofria com a perda de um amigo quando foi surpreendida pela esposa dele com um pedido pra lá de difícil – contar para as crianças que o pai delas havia morrido. Ela é fundadora da Escola com Asas, e lá representa um personagem, a Fada do Tempo, que entrou em ação para ajudar Sabrina em sua missão.
Ela conta que foi recebida por Matheus, de 7 anos, que disparou: "Fadinha, você sabe por que a mamãe tá tão triste? Eu tento fazer ela rir e ela só chora. Eu ligo pro celular do papai e ele não atende. Ela disse que ainda está viajando, mas era pro papai já ter voltado".
"A dor que senti me rasgava. Respirei fundo e saiu assim: Lembra que no ano passado o vovô Luiz virou um bonito anjo e foi voar perto das estrelas? Então, o papai começou a ter muita saudade do vovô Luiz e também foi viver com ele lá no céu. Eu me surpreendi com a resposta e a serenidade da lógica na cabecinha dele. ‘Tudo bem, eu vou esperar ele cansar de voar por todo o céu, daí eu já vou ser adulto e vou pedir bem forte para ele nascer de novo e ser meu filho. E também vou pedir pro vovô Luiz voltar e virar um bebezinho e ser filho da minha irmã. Assim vai ficar todo mundo junto outra vez!’. Eu me emocionei muito", conta.
Apesar de algumas crianças conseguirem lidar bem com a notícia da morte, é preciso saber lidar com seu luto. "Depois do choque, costumam vir os questionamentos e todos devem ser explicados de forma clara e objetiva e com a verdade, mas é importante que ela saiba que, apesar da morte, não estará nunca sozinha", diz Lucélia.
Também é importante respeitar o tempo. "Se quiserem ficar tristes e chorar, tudo bem. Se se sentirem felizes e com vontade de brincar, tudo bem também. Tem que mostrar para ela que a vida continua e todo mundo tem que buscar ser feliz. Na verdade, é tudo muito simples, são os adultos que dificultam", avalia a psicóloga. (Fonte: Portal Vital / Unilever)