Quando se fala em adoção, logo vem à cabeça um processo longo, burocrático e desgastante para quem pretende entrar na fila à espera de uma criança ou adolescente. Segundo o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento, o país tem 35,1 mil pretendentes à adoção.
Para ajudar nisso, muitas famílias buscam apoio de advogados, que cuidam dos trâmites legais, além de recorrer a grupos de pais via adoção, para dividir as dúvidas e trocar experiências. Atualmente, 5.100 crianças ou adolescentes estão disponíveis para adoção no país.
Mas diante de um momento que envolve tantas mudanças, muitas pessoas também têm buscado ajuda de um tipo de profissional ainda pouco conhecido no país: as doulas de adoção.
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Bastante populares nos EUA e na Europa, as doulas de adoção têm um trabalho um pouco diferente no Brasil. Nos EUA, por exemplo, elas costumam preparar e acompanhar as famílias escolhidas pela genitora do bebê para cuidar dessa criança, no processo conhecido como adoção direta.
Aqui, o trabalho das profissionais está mais focado no apoio emocional e preparatório das famílias. Ele pode começar em qualquer momento do processo e se estender até mesmo depois que a adoção já tenha sido concluída.
"A doula é treinada para acompanhar as transições emocionais da vida. Esse apoio não é um processo terapêutico. É um auxílio no momento emocionalmente mais instável. Essa profissional tem respostas para as dúvidas sobre o processo, vai te indicar locais para buscar informação. Ela tem uma lista de recursos para indicar às famílias, além de um olhar sensível e respeitoso para a questão que a pessoa está passando", explica Marianna Muradas, uma das fundadoras do Doulas de Adoção.
Marianna morava na Califórnia (EUA), onde trabalhava como doula de partos. Filha via adoção, ela tinha o desejo de elaborar melhor as suas questões de trauma com o abandono e aceitou a sugestão de sua instrutora para se capacitar como doula de adoção.
De volta ao Brasil em 2016, após acompanhar muitas famílias americanas no processo de adoção, ela foi procurada pela psicóloga Mayra Aiello, que estava em habilitação para adotar uma criança. "Vi uma entrevista da Mari e, como sou psicóloga e formo doulas de parto, percebi que a doula poderia estar na adoção também", conta.
Após muito conversarem e passarem juntas pelo puerpério –o filho da Mariana havia acabado de nascer e Mayra tinha uma filha recém-chegada–, as duas desenvolveram um programa para acolher e orientar famílias com desejo de adotar crianças e adolescentes, voltado para a realidade do Brasil.
A abordagem muda conforme o estágio do processo em que os pretendentes estão, mas o objetivo é construir o entendimento de que a adoção é uma via de parentalidade, bem longe da função redentora ainda bastante difundida no país.
"Os pais não estão fazendo caridade ao adotar nem são pessoas melhores por isso. E os filhos não estão em débito, não precisam ser benevolentes. Queremos desenvolver um olhar consciente sobre a adoção", diz Mayra.
Para isso, elas preparam a família para saber como fugir dos estigmas, bem como entender e respeitar a criança como um indivíduo pertencente a esse processo. "A adoção tem começo, meio e fim. Não dá para rotular o filho de adotivo a vida toda. Sempre me incomodou muito quando diziam que eu era filha do coração", conta Marianna.
Quando são procuradas por famílias que ainda não estão habilitadas para receber uma criança ou adolescente, os atendimentos giram em torno das motivações que levaram a isso, expectativas, explicações sobre a necessidade de o processo legal ser tão complexo e exigente, acolhimento de possíveis lutos (como no caso de infertilidade ou perdas gestacionais), além de orientar como lidar com a família estendida (avós, tios etc.).
"Trabalhamos medos, receios, angústias, dúvidas e identificamos pontos e questões particulares de cada pretendente. Muitas vezes, só o fato de a pessoa falar como se sente já é o suficiente para que ela organize seus sentimentos", explica Mayra.
Para a fotógrafa Heloísa Alessio de Aguiar dos Santos, 36, e o marido, o apoio de uma doula foi fundamental na conscientização de quanto preparo é necessário para receber uma criança via adoção.
O casal ainda está reunindo documentos para a habilitação, mas Heloísa destaca que o acompanhamento da profissional ajudou muito nas dúvidas com as questões burocráticas, além de fazê-los refletir sobre a parentalidade.
"O mais incrível foi entender que essa criança tem uma história e temos de respeitar e entender isso. E não achar que ela é uma folha em branco. Não podemos estigmatizar, achar que ela não suportará as dores ou não terá traumas. Todos nós podemos ter traumas. E essa criança também terá de lidar com a nossa bagagem emocional."
Durante os ciclos de atendimentos, as doulas também abordam temas como famílias interraciais; racismo estrutural; e reconhecimento de privilégios de gênero, classe social e raça.
Para pais que já conseguiram a habilitação e aguardam serem chamados, o maior trabalho é o de conter a ansiedade e mostrar que esse período deve ser usado de maneira produtiva, como na busca por informações a respeito do desenvolvimento infantil e na resolução de algumas questões emocionais que ainda sejam incômodas.
Com a chegada do filho, o acolhimento fica muito voltado à mudança de dinâmica e à formação dos vínculos dessa nova família. Segundo Marianna, na literatura não existe nada que comprove o puerpério na adoção, mas "tudo que envolve a parentalidade causa alterações nos níveis de ocitocina e muitas famílias acabam vivendo esse puerpério".
"A maternidade já é solitária. Via adoção, é mais solitária ainda. Então, só o fato de nomearmos e identificarmos essas fases pelas quais essas famílias estão passando, já faz com que não se sintam tão sozinhas", diz.
A jornalista Cristiane Guterres, 39, tem contado com as doulas para concretizar uma adoção que ela classifica como inesperada. Ela era madrinha afetiva de um adolescente de 16 anos e, após cinco meses de contato, decidiu que queria ser sua mãe, algo que não é muito comum.
"Eu não sabia como iniciar esse processo, pois ele não estava disponível para adoção, e elas foram atrás de advogados especializados que pudessem cuidar disso. E ainda têm me dado todo apoio para acolher esse adolescente, que já sofreu tantas rupturas", diz.
Mãe solo, Cristiane comemora a primeira grande conquista desse processo: conseguiu a guarda do jovem por um ano. "Eu entendi que o amor é um ato de coragem."
Curso Percebendo que precisariam de mais profissionais para expandir essa rede de acolhimento, Marianna e Mayra criaram um curso para formar doulas de adoção. Com a terceira turma finalizada em dezembro deste ano, já são cerca de cem pessoas habilitadas para doular pretendentes à adoção no país.
Uma das primeiras a se formar, a professora de teatro Paula Cristina de Melo Futada, 43, conta que sempre quis ser doula de gestantes, mas, como não havia ficado grávida, sempre achou que não teria experiência suficiente para dar orientações.
"Como tenho um filho via adoção, quando uma amiga viu esse curso, achou que tinha a minha cara, pois eu poderia ajudar as pessoas sendo um outro tipo de doula", conta.
Ele fez a inscrição e, logo nas primeiras aulas se identificou com diversas situações. "Tudo aquilo falava sobre mim. Eu entendi todos os meus processos. Identifiquei o meu puerpério, que foi muito pesado, e muitas indagações foram respondidas. Inclusive consegui compreender melhor a chegada do meu irmão, também por via de adoção, há 20 anos."
O trabalho da doula de adoção é remunerado. Segundo Marianna e Mayra, é apresentado um valor mínimo e um máximo, e as famílias verificam como podem pagar. "Temos que acabar com essa cultura de que tudo envolvendo adoção tem de ser gratuito. Somos profissionais que precisam se atualizar e vivemos disso", diz Marianna, sem citar valores.
Há, no entanto, atendimentos sem cobrança feito pelas alunas do curso de doula. O procedimento é supervisionado pelas orientadoras e faz parte do currículo de formação dos profissionais.
O trabalho das doulas têm chamado tanta atenção que Marianna e Mayra fecharam uma parceria com a Vara da Infância e da Juventude Central de São Paulo para auxiliarem as equipes técnicas e tirarem dúvidas das famílias no pós adoção.