O futebol continua suspenso, os brinquedos não podem ser emprestados, os abraços ainda devem ser evitados. As crianças voltaram para uma escola diferente, mas as novas regras não significaram o fim da diversão. As mudanças da pandemia trouxeram uma série de restrições, mas fizeram surgir também novas brincadeiras.
O pega-pega, por exemplo, ganhou uma nova versão para que as crianças não precisem encostar umas nas outras. Agora, eles usam um galho de árvore para tocar no colega e assim garantem o distanciamento seguro.
Também combinaram o pega-pega com o jogo de detetive. Ao invés de ficarem sentadas, as crianças correm atrás umas das outras e piscam com os olhos para "pegar" o colega.
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A bola continua proibida nas escolas municipais de São Paulo. Para substituí-la, os alunos passaram a pular corda nos recreios. A brincadeira era, até então, desconhecida para a maioria deles.
Depois de 16 meses sem poder ir à escola todos os dias como estavam acostumados, os alunos puderam retornar diariamente às aulas presenciais em agosto. Para muitos pais e educadores havia preocupação com a adaptação das crianças às novas regras, como o uso de máscaras e o distanciamento dos colegas.
Os professores, no entanto, garantem que eles rapidamente se adaptaram e criaram estratégias para que pudessem se divertir mesmo com as novas normas.
"Eles criaram brincadeiras que se adequam às novas necessidades, as crianças têm uma capacidade incrível de transformar qualquer cenário em diversão e elas mostraram que isso era possível também nesse contexto", conta Regina Clara, coordenadora pedagógica do colégio Santa Cruz, na zona oeste de São Paulo.
Ainda que sintam falta de algumas dinâmicas que tinham com os colegas antes da pandemia, as crianças continuam criando novas formas de interação. Se andar de mãos dadas com os amigos não é mais permitido, eles agora brincam de "mão invisível" –em que estendem a mão um para o outro, mas sem se encostar.
Também dão abraços a distância. Ao invés de abraçar o colega, se olham e apertam os braços contra o próprio corpo. "Eles são muito afetuosos nessa idade e o contato para eles é muito importante. Às vezes escapa um abraço ou algum outro contato físico, mas eles estão conscientes e sabem o que não deve ocorrer nesse momento."
O colégio está recebendo as crianças para aulas presenciais todos os dias, sem restrição de atendimento. Na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental (do 1º a 5º ano), mais de 95% dos alunos voltaram a frequentar a escola.
Para melhorar a ventilação nos espaços de aula das crianças menores, o colégio abriu sacadas, com acesso direto a uma área verde, em todas as salas da educação infantil e 1º ano.
"Elas voltaram com muita vontade de se apropriar da escola e nós promovemos mudanças físicas e pedagógicas para que elas tivessem maior liberdade para aproveitar os espaços. Com isso, elas se sentiram à vontade para criar e brincar", conta.
No Santa Cruz, as crianças passaram a fazer piquenique nos jardins e brincar mais nas áreas externas do que dentro das salas. A mudança de uso do espaço ocorreu para todas as séries, inclusive, para os maiores que estão no ensino médio.
Mesmo durante o horário de aula, as áreas externas e de lazer da escola ficam ocupadas por alunos. Na terça (5) de manhã, quando a reportagem visitou a unidade, estudantes do 9º ano dividiam um espaço do jardim com a turma do 1º ano do fundamental. Enquanto os pequenos brincavam de pega-pega, os adolescentes faziam uma atividade de matemática ao ar livre.
Infectologistas de diversos países incentivam que as escolas usem ao máximo as áreas externas para diminuir os riscos de transmissão de Covid. A estratégia foi adotada em países como Itália, Portugal, Alemanha e França.
Para a maioria das escolas, no entanto, a estratégia não é possível, exatamente por não terem esses espaços. Não há nenhum dado específico sobre a metragem de áreas externas nas unidades escolares do país, mas, segundo o Censo Escolar 2020, apenas 37% delas têm quadra esportiva.
Nas escolas públicas de São Paulo, a maioria das crianças ainda não teve sequer oportunidade de voltar
para as aulas todos os dias. Por conta do tamanho das unidades, elas ainda seguem com rodízio de alunos. Em geral, as turmas vão uma semana sim e outra não.
Pela regra do governador João Doria (PSDB), as escolas não estão mais restritas a atender um percentual de crianças, mas devem garantir que os espaços escolares tenham 1 metro de distância entre os alunos. Com a regra, a maioria das escolas públicas não tem tamanho suficiente para receber todos ao mesmo tempo respeitando o distanciamento mínimo obrigatório.
Mesmo sem voltar à rotina normal, os alunos também começaram a criar suas estratégias e brincadeiras diante das novas regras. Na Emef Sylvia Martin Pires, na Saúde, zona sul da capital, as crianças tiveram que ser bem criativas já que a lista de proibições é extensa.
A Secretaria Municipal de Educação orientou as escolas a não permitirem que as crianças usem os parquinhos e atividades com bola, sob o argumento de que poderiam aumentar a transmissão de Covid.
"Não tem um dia que uma criança não bata na minha porta pedindo para brincar de bola. É a brincadeira favorita delas, mas faz parte do protocolo e temos que obedecer. O que nos cabe é estimular que encontrem outras brincadeiras", diz Katia Vilela, assistente de direção da unidade.
Assim, os professores ensinaram as crianças a pular corda nos recreios. A brincadeira garante que fiquem distantes uma das outras e ainda permite que criem situações diferentes. "Eles fazem desafios de quem consegue pular mais ou em duplas. É uma forma de estimular a imaginação."
Além da corda, outras brincadeiras antigas foram resgatadas na escola, entre elas o "vivo-morto" e estátua. As atividades permitem que as crianças interajam e permaneçam distantes.
"Mesmo com todas essas restrições e proibições, as crianças continuam brincando. Elas estão mais felizes. Os pais também nos relatam isso, que as crianças chegam em casa mais contentes porque estão brincando na escola."