Os verbos apelidar, xingar, ofender, zoar, enganar, ignorar, intimidar, apertar, zoar, perseguir, gozar, assediar, beliscar, morder, aterrorizar, chutar, provocar, amedrontar, cuspir, sacanear, tiranizar, humilhar, dominar, empurrar, ridicularizar, ferir, discriminar, isolar e excluir fazem parte da rotina de, aproximadamente, 40% crianças brasileiras, que possuem sobrepeso ou obesidade e são vítimas de bullying.
O assunto foi abordado no simpósio "Repercussões psicológicas da obesidade na infância”, ministrado pela psicóloga Carla João Nogueira de Almeida no XXIII Congresso Brasileiro de Nutrologia da ABRAN (Associação Brasileira de Nutrologia).
A obesidade infantil é um dos mais sérios desafios de saúde pública do século. No Brasil, um em cada cinco estudantes apresenta sobrepeso ou obesidade. Crianças obesas têm prejuízos significativos no funcionamento físico, escolar, social e emocional. Uma pesquisa desenvolvida no Brasil apontou que crianças obesas e com sobrepeso apresentaram redução de 21% na qualidade de vida no âmbito social em relação às crianças não obesas.
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"Um dado alarmante é que o estudo Findings from the National Education Association’s Nationwide Study of Bullying, feito com 1.555 crianças e 5.064 professores e educadores, aponta que quanto maior o IMC (Índice de Massa Corporal), maior a probabilidade dessa criança ser vítima de bullying. O que agrava a situação é que dos entrevistados que sofreram bullying, o tempo da vitimização se estendeu por mais de 5 anos”, declara a psicóloga.
Segundo a especialista, desde cedo as crianças atribuem estereótipos negativos à criança obesa. "Há estudos que comprovam claramente a atribuição social de aspectos cognitivos positivos na magreza e negativos nos indivíduos de peso corporal maior”, aponta.
A estigmatização de pessoas com obesidade é generalizada socialmente e pode causar muitos danos a quem sofre com a doença. O estereótipo do indivíduo com excesso de peso preguiçoso, lento e sem motivação é frequentemente propagado e tolerado. Há equivocadamente a crença de que o estigma e a vergonha vão motivar as pessoas a perderem peso, como se fosse apenas uma questão de boa vontade.
O que ocorre, no entanto, é o efeito rebote: essa retaliação moral não provoca mudanças positivas. Ao contrário, o estigma contribui para incitar comportamentos como compulsão alimentar, isolamento social, restrição a tratamentos médicos, diminuição da atividade física e aumento do ganho de peso, que pioram ainda mais o quadro de obesidade e criam barreiras adicionais à mudança de comportamento saudável.
Na pré-escola, as crianças já começam atribuir estereótipos negativos a pares com tamanhos corporais maiores. Na escola primária, estereótipos negativos baseados no peso são comuns.
De acordo os dados do Ministério da Saúde, a obesidade atinge 13% dos meninos e 10% das meninas de zero a 17 anos no Brasil.
"É um ciclo de falta de apoio. Muitas vezes os pais, os professores e os médicos não conseguem entender que por trás da obesidade existe um ser humano em sofrimento e que outras questões estão associadas à doença”. Carla ainda ressalta a importância da abordagem multidisciplinar para identificar as possíveis causas e em conjunto estabelecer uma abordagem terapêutica compatível com as necessidades de cada criança.
Apesar de muitos profissionais de saúde buscarem estratégias e recursos eficazes para lidar com a epidemia da obesidade, muitas vezes já estão contaminados pelo estereótipo negativo do obeso. Então, como mudar esse cenário? Estudos recentes apontam recomendações no sentido de: melhorar o cenário clínico; modelar as práticas de comportamento e linguagem adequadas para abordar o tema; ser empático ao receber as crianças, jovens e suas famílias; averiguar se o paciente está passando ou passou por alguma situação discriminatória em virtude da obesidade e treinar os profissionais de saúde continuadamente para acolher sem julgamentos prévios.