A médica Natália de Sousa Zufelato, 36, casada com Marcos José Zufelato, 47, ambos cadeirantes, avalia que pessoas com deficiência passam por um momento histórico no Brasil em relação a conquistas. Eles são pais de duas meninas, Rafaela, 5, e Júlia, 1.
"Não era comum ver pessoas com deficiência estudando, trabalhando, namorando. Era mais difícil ter uma vida ativa, constituir uma família. Com mais acessos sendo garantidos, estamos vendo uma evolução. As pessoas estão indo à escola, ao trabalho, tendo suas necessidades supridas, tendo mais oportunidades e mais qualidade de vida. Com isso, elas crescem, se desenvolvem, conhecem parceiros, como quaisquer outras", afirma.
De acordo com a psicóloga Karla Garcia Luiz é preciso "tirar o acesso do campo individual e transpor para o campo coletivo, da justiça social".
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Para Karla, que pesquisa o tema na UFSC (Univesidade Federal de Santa Catarina) e que também é pessoa com deficiência, "parece absurdo que precisemos garantir em lei e em políticas públicas que a gente tem o direito de fazer sexo e se relacionar. No entanto, historicamente, a deficiência serviu como argumento para que muitos direitos básicos nos fossem negados. É preciso que nos reconheçam como pessoas, como humanos".
O Brasil não dispõe ainda de estatísticas oficiais que demonstrem e concretizem a percepção de crescimento de pessoas com deficiência compondo famílias e tendo filhos, movimento que se manifesta em grupos organizados, redes sociais e organizações representativas.
Mais do que desafios logísticos apresentados pelas condições físicas, sensoriais ou intelectuais diferentes em relacionamentos ou na criação de filhos, é a interação social o que ainda precisa ser mais naturalizada, nas palavras de quem faz parte do grupo.
"Ser pai ou mãe sem deficiências já não é fácil, então, para quem tem deficiência os desafios triplicam. A sociedade ainda é muito preconceituosa. Muitos não acreditam que os filhos são nossos. É comum ser abordado na rua com esse questionamento e com perguntas do tipo quantas babás nós temos, duvidando de nossa capacidade de cuidar dos meninos. Mal sabem que não temos nenhuma", diz Genival Silva dos Santos, 42.
Ele e Kátia Antunes Marques dos Santos, 39, são cegos e tiveram filhos gêmeos -Matheus e Patrick- há pouco mais de um ano. "Não cabe mais esse olhar de espanto, que julga a capacidade da pessoa com deficiência. Somos sujeitos de deveres e obrigações independentemente da condição de deficiência", afirma ele.
Segundo Karla, que se tornou mãe recentemente, o preconceito sobre essas questões ainda deve resistir por muito tempo. "Somos oprimidos na expressão da nossa sexualidade, da orientação sexual, de gênero, de reprodução, da possibilidade de gerar e cuidar de filhos. O que devemos fazer é tentar romper com estruturas capacitistas compreendendo que a sexualidade faz parte da condição humana, assim como a deficiência."
Com osteogênese imperfeita, síndrome genética e hereditária que fragiliza os ossos, a médica Lorena Carneiro do Amaral, 39, e o marido, o advogado Paulo Pereira Cardoso, 32, que tem a mesma condição que a dela, atribuem também ao avanço da medicina a ampliação das possibilidades de vida familiar para pessoas com deficiência.
"Hoje há mais acesso também à medicina reprodutiva. Alguns tipos de deficiência vão recorrer à fertilização in vitro, por exemplo. Pessoas com tetraplegia ou paraplegia podem necessitar de uma biópsia testicular. No meu caso, precisei de um útero de substituição não parental [uma voluntária de fora da família faz a gestação], o que foi autorizado pelo Conselho Federal de Medicina", declara Lorena, que tornou-se mãe de Antonella há dois anos.
Ela encara com naturalidade os questionamentos dos outros em relação a sua maternidade. "Vejo muita admiração e curiosidade sobre nossa história. As pessoas querem saber como foi a gestação, se o processo foi natural. A minha preocupação é com a formação da minha filha, com o entendimento dela em relação a ter pais com diferenças. Estou trabalhando isso desde já."
A composição de famílias por pessoas com deficiência, nas palavras de Natália de Sousa, enseja uma maneira mais moderna de promover acessibilidades.
"O degrau de evolução precisa de um novo passo agora. Em geral, as adaptações nos locais foram pensadas para um cadeirante sozinho. Por exemplo, geralmente, quartos de hotéis são acessíveis para uma pessoa ou um casal, dificilmente pensam que pode haver uma família. Banheiros infantis raramente têm portas largas para passar uma cadeira de rodas", declara a médica.