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Crianças e adolescentes do sexo feminino são 70% das vítimas de estupro

28 mar 2014 às 08:55

Encerrando o Mês da Mulher, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou nesta quinta-feira (27), estudos sobre casos de estupro no Brasil e tolerância à violência contra a mulher.

O IPEA estima que no mínimo 527 mil pessoas são estupradas por ano no Brasil e que, destes casos, apenas 10% chegam ao conhecimento da polícia. O estudo do IPEA demonstra que 89% das vítimas são do sexo feminino e possuem, em geral, baixa escolaridade. Do total, 70% são crianças e adolescentes. "As consequências, em termos psicológicos, para esses garotos e garotas são devastadoras, uma vez que o processo de formação da autoestima - que se dá exatamente nessa fase - estará comprometido, ocasionando inúmeras vicissitudes nos relacionamentos sociais desses indivíduos", aponta a pesquisa.


Em metade das ocorrências envolvendo menores, há um histórico de estupros anteriores. Para o diretor do Ipea Daniel Cerqueira, "o estudo reflete uma ideologia patriarcal e machista que coloca a mulher como objeto de desejo e propriedade". Ainda de acordo com dados da pesquisa, 24,1% dos agressores das crianças são os próprios pais ou padrastos, e 32,2% são amigos ou conhecidos da vítima. O indivíduo desconhecido passa a configurar paulatinamente como principal autor do estupro à medida que a idade da vítima aumenta. Na fase adulta, este responde por 60,5% dos casos.


Em geral, 70% dos estupros são cometidos por parentes, namorados ou amigos/conhecidos da vítima, o que indica que o principal inimigo está dentro de casa e que a violência nasce dentro dos lares.


Sociedade machista


A pesquisa apontou também que 58,5% dos entrevistados concordaram totalmente ou parcialmente com a frase "Se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros". Em relação a essa pergunta, 35,3% concordaram totalmente, 23,2% parcialmente, 30,3% discordaram totalmente, 7,6% discordaram parcialmente e 2,6% se declararam neutros.


"Por trás da afirmação, está a noção de que os homens não conseguem controlar seus apetites sexuais; então, as mulheres que os 'provocam' é que deveriam saber se comportar, e não os estupradores. A violência parece surgir também como uma correção. A mulher merece e deve ser estuprada para aprender a se comportar", dizem os pesquisadores.


Os pesquisadores ainda perguntaram "Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas": 42,7% concordaram totalmente com a afirmação, 22,4% parcialmente; e 24% discordaram total e 8,4% parcialmente. "O acesso dos homens aos corpos das mulheres é livre se elas não impuserem barreiras , como se comportar e se vestir 'adequadamente'", concluíram os pesquisadores a partir das respostas.


Conforme o levantamento, 63% concordaram, total ou parcialmente, que "casos de violência dentro de casa devem ser discutidos somente entre os membros da família", 89% dos entrevistados tenderam a concordar que "a roupa suja deve ser lavada em casa" e 82% que "em briga de marido e mulher não se mete a colher".


Os dados fazem parte da pesquisa Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS) - Tolerância social à violência contra as mulheres, que mostrou ainda que 78,1% dos entrevistados concordam totalmente e 13,3% concordam parcialmente que a prisão é a punição adequada para o homem que bate na esposa. A pesquisa colheu dados sobre casamento entre pessoas do mesmo sexo e relação familiar.


Os pesquisadores sugerem que a população ainda tem "visão de família nuclear patriarcal, ainda que sob uma versão contemporânea, atualizada. Nessa, embora o homem seja ainda percebido como o chefe da família, seus direitos sobre a mulher não são irrestritos, e excluem as formas mais abertas e extremas de violência.


Os resultados apontam que a Lei Maria da Penha, que endurece as punições para o agressor, contribuiu para minimizar a tolerância à violência contra a mulher. Para a secretária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Aparecida Gonçalves, as tendências machistas vêm mudando. "Apesar de não ter mudado ainda da forma como gostaríamos, elas vêm se alterando aos poucos, principalmente no que tange à violência doméstica e familiar".

Ao todo, 3.810 pessoas foram entrevistadas no ano passado, sendo 66,5% mulheres.


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