O impacto da pandemia de Covid-19 nos índices de mortalidade alcançou em 2020 uma magnitude não testemunhada desde a Segunda Guerra Mundial, na Europa Ocidental, ou desde a dissolução da União Soviética, na Europa Oriental.
As conclusões são de um estudo publicado neste domingo (26) no International Journal of Epidemiology e conduzido por um grupo de pesquisadores da Universidade de Oxford, no Reino Unido, e da Universidade do Sul da Dinamarca.
O levantamento conclui ainda que a expectativa de vida ao nascer caiu, de 2019 para 2020, em 27 dos 29 países analisados -os dados são de 27 nações europeias, além de EUA e Chile; o Brasil não entrou na análise. Os grupos em que houve maior redução são os de homens americanos e lituanos (queda de 2,2 e 1,7 anos, respectivamente).
Quedas de mais de um ano também foram registradas nas expectativas de vida em homens de 11 países e em mulheres de 8, afirma o relatório.
Para dimensionar a gravidade dessa redução, os pesquisadores explicam que esse grupo de nações levou, em média, 5,6 anos para elevar a expectativa de vida de sua população em um ano -progresso que a pandemia de coronavírus eliminou ao longo de 2020 apenas.
Ainda segundo o levantamento, mulheres de 15 países e homens de 10 terminaram o ano passado com uma expectativa de vida menor do que a registrada em 2015.
A expectativa de vida ao nascer é uma das métricas mais usadas para analisar a saúde e a longevidade de determinada população.
O índice se refere à média de anos que uma amostra de recém-nascidos viveria se estivesse sujeita aos índices de mortalidade vigentes no momento da medição. Embora não deva ser interpretado como previsão ou projeção da duração da vida em âmbito individual, ele permite a identificação de padrões nos índices de mortalidade.
No contexto da Covid-19, explicam os pesquisadores, a expectativa de vida ao nascer permite comparar "impactos cumulativos da pandemia com choques de mortalidade no passado e tendências recentes em diferentes países".
Assim, é possível analisar, por exemplo, os efeitos diretos e indiretos do coronavírus nos estudos populacionais. Segundo o relatório, a queda nos índices dos países avaliados se explica, entre outros motivos, pela maior mortalidade da Covid entre homens e pessoas com idade mais avançada -justamente os dois grupos que vinham puxando a curva da expectativa de vida para cima nos últimos anos.
Como efeitos indiretos da pandemia, os pesquisadores destacam o aumento do número de mortes por outras causas, devido a adiamentos e atrasos de tratamentos de doenças cardiovasculares e de câncer, por exemplo, com a sobrecarga de hospitais. Por outro lado, há indícios de que medidas de restrição do contágio, como lockdowns, tenham diminuído o número de mortes por acidentes nas estradas.
O estudo toma como base de comparação dados demográficos registrados entre 2015 e 2019. Todos os grupos analisados sofreram queda na expectativa de vida e em uma dimensão que anula quase todos os ganhos dos cinco anos anteriores, com exceção das mulheres na Finlândia e de pessoas de ambos os sexos na Dinamarca e na Noruega.
Os países escandinavos fogem à tendência constatada no estudo devido, segundo os pesquisadores, a "intervenções precoces não farmacêuticas, juntamente com um sistema de saúde robusto".
O fato de os EUA apresentarem resultado tão negativo pode ser explicado por algumas hipóteses levantadas no relatório. Uma delas é a de que, apesar de ter uma população mais jovem, o país apresenta maior índice de comorbidades entre pessoas com menos de 60 anos.
"Outros fatores, como aqueles ligados ao racismo estrutural e à desigualdade no acesso ao sistema de saúde entre a população economicamente ativa, podem ajudar a explicar o aumento da mortalidade", diz o estudo. São citados artigos científicos que apontam que populações socialmente desfavorecidas nos EUA, como negros e latinos, tiveram perdas em expectativa de vida três vezes maiores do que a média nacional.
Apesar de não integrar a análise, o Brasil é citado nas conclusões do relatório, ao lado do México, como nação emergente "devastada pela pandemia", onde as perdas em expectativa de vida podem ser ainda maiores do que as demais mencionadas.
Os autores observam ainda que, devido à falta de informações "completas e confiáveis", somente dois países de fora da Europa -EUA e Chile- puderam ser objeto de análise. Nos demais, "os verdadeiros impactos da pandemia na mortalidade podem nunca ser totalmente conhecidos".