Comportamento

Chefes de polícia querem regras para barrar novos 'casos Da Cunha'

14 set 2021 às 10:14
O Conselho Nacional dos Chefes de Polícia Civil decidiu criar um código de ética nacional para policiais civis e elaborar uma resolução exclusiva que fixa limites para o que eles podem ou não fazer nas redes sociais.

A discussão sobre o assunto começou em reunião no final de agosto, em Brasília, e deve ser concluída no início de dezembro, quando ocorrerá novo encontro dos 27 chefes de polícia.

Trata-se de uma tentativa de pôr freio em comportamentos cada vez mais vistos no Brasil, mas que ganhou notoriedade há poucos meses com o caso de Carlos Alberto da Cunha, conhecido como delegado Da Cunha.

Em junho deste ano, numa live no YouTube, Da Cunha chamou de "ratos" e "raposonas" os colegas de profissão com idade acima dos 55 anos. Por causa dessa e de outras situações, ele foi afastado do cargo, mas não das redes sociais. Nelas, passou a atacar o superior responsável pela decisão.


"Todos os estados apresentam problemas, guardadas as proporções, mas São Paulo foi o que veio mais à tona, que ficou mais conhecido. Vai ter que ter uma regulamentação. Não tem como não ser feito", afirma a delegada Nadine Anflor, presidente do conselho dos chefes de polícia.


De acordo com ela, a resolução, após ser aprovada, será levada pelos chefes a seus estados de origem e, lá, cada um deles vai criar a regulamentação. O país tem cerca de 93 mil policiais civis, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.


Anflor, que atua no Rio Grande do Sul, diz que, uma vez criada a regra, ela se aplicará a todos no estado. "Vale para o escrivão e vale para mim, que sou o chefe da polícia", diz.


"Dentro da instituição, o que o chefe da polícia determina, tem que ser cumprido pelos seus subordinados. Vai ter as punições, por isso a gente vai trabalhar com o código de ética. Já existem as punições administrativas e, agora, vai ter mais uma, porque vai estar regulamentado", afirma Anflor.


Os detalhes de eventuais punições e o próprio teor do documento estão sendo estudos pelos chefes de polícia. Uma proposta será apresentada para votação em dezembro. Anflor diz que a intenção não é punir, mas orientar o que pode ou não ser feito nas redes sociais.


"Eu uso rede social e também fico em dúvida até onde eu posso ir. Não é só punir e dizer que não pode", diz Anflor . "Não tem um código de ética que me diga o que eu fazer ou quem é que posso consultar. Porque nós não temos nada escrito, pelo menos na maioria das Polícias Civis do Brasil."

A Polícia Civil de São Paulo é uma das poucas que têm uma regulamentação.

De acordo com a presidente do conselho dos chefes de polícia, criar regras também é importante porque, ao aparecer nas redes sociais, o agente também vincula às postagens a imagem da instituição em que trabalha.


"O código de ética também é para traçar uma conduta do que é eticamente aceitável. Até uma forma de ter um conselho, pelo menos um local dentro da instituição, até para se aconselhar. 'Será que eu posso aparecer numa rede social utilizando a camisete da instituição?'", afirma Anflor.


Os estudos desses documentos, em especial do código de ética, incluem análises sobre as regras adotadas pelas principais polícias do mundo.


"Nos outros países, é bem fechado [o uso de imagens em postagens na internet]. Pode ter a rede social, mas sem envolver a instituição. Mas isso tudo está em discussão. Não sabemos se vai haver uma maleabilidade maior, porque nós temos também que adaptar às nossas realidades", afirmou a delegada.


Anflor diz que, para ela, a ideia não é acabar com as participações de policiais civis nas redes sociais, porque elas são importantes para as instituições.


"Ninguém quer tolher e fazer com que as redes sociais não sejam um local de exposição do nosso trabalho de comunicação. Mas os exageros estão acontecendo. Então, [o que se quer] é delimitar com o código de ética o limite para tudo isso", diz.


Em São Paulo, o delegado Da Cunha responde a procedimentos internos por declarações feitas na internet. Além disso, ele é alvo de inquérito do Ministério Público de São Paulo, que investiga suposto enriquecimento ilícito.


Segundo integrantes da Promotoria, um policial não pode usar os materiais da instituição em que trabalha para promoção pessoal. No inquérito de Cunha, os promotores investigam se ele ganhou dinheiro do YouTube com a monetização do conteúdo, o que configuraria improbidade administrativa. O delegado nega.


O canal de Da Cunha no YouTube tem mais de 3,6 milhões de inscritos.


Para o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, a criação de um código de ética para a Polícia Civil é uma boa ideia, mas precisa ser analisada com cuidado para que, em vez de moderar, não acabe sufocando as vozes dos policiais brasileiros.


"A polícia, seja civil, militar ou federal, precisa de regras muito claras sobre o que pode e o que não pode. O que chama a atenção é ser uma proposta nacional, talvez seja um embrião do que poderia constar do projeto da Lei Orgânica que está parado no Congresso Nacional, porque teria mais força do que uma resolução do conselho", diz Lima.


Além da Polícia Civil, a Polícia Militar de São Paulo também estuda um código interno para disciplinar o uso das redes sociais por parte da tropa. A finalização do documento foi acelerada após a crise criada por oficial da ativa, coronel Aleksander Toaldo Lacerda, que fez ataques nas redes sociais ao governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e a ministros do STF.


Lacerda foi afastado do cargo e deve ser punido internamente.


A discussão trata do uso da instituição para fins pessoais e se estende às manifestações político-partidárias.

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