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'Pandemia agravou o problema'

Brasileiros são os que mais se preocupam com sua saúde mental entre 30 países

Júlia Barbon - Folhapress
20 out 2021 às 10:56

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- Pixabay
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O despertador de Helloá tocou, mas daquela vez ela não conseguiu desligá-lo. Seus músculos não respondiam. "Pensei 'estou morrendo', mas eu estava tão mal, minha rotina era tão triste, que achei que se acabasse ali não seria tão ruim", conta a administradora.


Era uma crise de "burnout", resultado de cinco meses de prazos impossíveis no novo emprego, somados a várias horas de estudo na faculdade e nenhuma de descanso. "Eu pensava que o sofrimento fazia parte do sucesso. Trabalhe enquanto os outros dormem, estude enquanto os outros se divertem."

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O colapso também veio depois de diversos avisos ignorados: dores de cabeça insistentes, azia constante, dificuldade para dormir e até uma dor aguda no peito que ela, na época com 21 anos, imaginou ser um infarto. Chegou a avisar os chefes, mas ouviu que estava sendo fraca.

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Sete anos e muitos tratamentos depois, Helloá Castro, hoje aos 28, criou o perfil "Vencendo o Burnout" nas redes sociais e dedica seu tempo a informar e palestrar sobre o distúrbio emocional. E não são poucos os brasileiros que se preocupam com o assunto.

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Uma pesquisa lançada pela empresa Ipsos para o Dia Mundial da Saúde Mental, celebrado em 10 de outubro, mostra que 75% dos entrevistados no Brasil pensam sobre sua própria saúde mental com muita ou considerável frequência. É a maior marca entre os 30 países que participaram do questionário -a média mundial é de 53%.


Logo depois no ranking aparecem a África do Sul (73%) e a Colômbia (71%). No outro extremo estão os chineses (26%), os sul-coreanos (31%) e os russos (33%), onde a maioria diz não refletir nunca ou quase nunca sobre a questão.

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A pesquisa ouviu 21.513 pessoas de 16 a 74 anos, entre 20 de agosto e 3 de setembro, sendo cerca de 1.000 no Brasil. O questionário foi aplicado de maneira online, portanto abrange a parcela da população com acesso à internet, considerando o perfil demográfico de cada lugar.


Para 40% dos entrevistados por aqui, distúrbios mentais são um dos principais problemas sanitários enfrentados atualmente pelo país. Esse número cresceu 13 pontos percentuais em relação ao ano passado, influenciado pelo luto e pelo isolamento da pandemia de Covid-19.

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"Temos visto o Brasil sempre no topo do ranking em pesquisas que fazemos sobre saúde mental, e isso vem aumentando ano após ano. Por um lado, a pandemia agravou o problema, mas por outro deu mais espaço para falar sobre isso", diz Helena Junqueira, coordenadora da pesquisa.


Em maio de 2020, por exemplo, o país apareceu em primeiro lugar entre os que sofriam de ansiedade (41% diziam se sentir assim) ou de enxaqueca (14%) e entre os que afirmavam estar comendo excessivamente (39%). Era também o mais solitário (53%) em outro questionário aplicado em janeiro.

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"Transtornos mentais são muito mais comuns do que as pessoas imaginam. Durante um ano, um quarto da população vai desenvolver algum problema. Na vida, será cerca de metade. Não é muito diferente de usar óculos", ilustra Jair Mari, chefe da psiquiatria da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).


Segundo o médico, o aprofundamento da desigualdade e da insegurança econômica ajudam a explicar por que o Brasil sustenta altos índices de ansiedade e depressão. Tem muito impacto ainda o que ele chama de violência epidêmica no país.

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"A saúde mental tem um fator social determinante. Os Estados Unidos, por exemplo, têm níveis muito parecidos com os nossos. Tudo indica que isso pode estar relacionado à desigualdade: a pessoa que não tem nada olha para quem tem tudo", afirma.


Outra hipótese para a preocupação com o tema no país é cultural -segundo essa visão, os brasileiros estariam mais dispostos a demonstrar suas emoções do que moradores de outros lugares. Isso também ajudaria a entender, de acordo com o psiquiatra, por que na China os transtornos mentais são externalizados e investigados com menos regularidade.

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Globalmente, quem tende a se importar mais com sua própria saúde mental são mulheres e jovens, mostra a pesquisa da Ipsos. A parcela dos que pensam nisso com frequência é de 58% entre elas e 48% entre eles. Entre pessoas de até 35 anos é de 61%, contra 42% para pessoas acima dos 50 anos.


"A grande maioria dos meus seguidores na internet são mulheres, que se sentem sobrecarregadas e procuram ajuda mais cedo", diz Helloá Castro. "Os homens não falam, muitas vezes canalizam o tratamento do 'burnout' para o álcool ou as drogas. Quando chegam em mim é porque já esgotaram todas as possibilidades."


Apesar de 78% dos entrevistados brasileiros acharem que seu bem-estar mental e físico têm a mesma importância, 55% acreditam que o sistema de saúde do país prioriza o cuidado apenas com o corpo -número superior à média dos outros países.


"Há um vácuo de atendimento enorme", concorda o psiquiatra Jair Mari. "Transtornos mentais são responsáveis por um quinto das incapacitações, mas só cerca de 2% do orçamento da Saúde é aplicado no tema. Na nossa realidade achamos que precisaria ser pelo menos 6%. Canadá e Reino Unido aplicam 11%", afirma.


Para o médico, existe uma ideia de que a população brasileira toma muito remédio, mas isso só é válido para a classe média-alta. Aqui, afirma, impera a "lei dos cuidados invertidos": quem precisa menos tem mais, e quem precisa mais tem menos.


Um paper publicado por ele e outros pesquisadores em 2014 mostrou que só 20% das crianças e adolescentes com distúrbios psiquiátricos -que deveriam ser priorizados pelo alto risco de suicídio- tiveram acesso a profissionais da área nos 12 meses anteriores.


Mari critica um desmantelamento da assistência à saúde mental em todos os níveis do SUS nos últimos anos, que conta apenas com algumas ilhas de atendimento e não tem leitos suficientes para internação de casos agudos. Ele cobra melhor gestão, prontuários únicos, continuidade nos atendimentos e inovação tecnológica.


Por outro lado, quem trabalha na área vê ao menos um legado positivo da pandemia. A constante exposição do tema pela mídia e por marcas resultou numa redução do preconceito sobre os transtornos emocionais.


A consultoria de saúde Mercer Marsh apontou um crescimento de 62% no número de empresas que implantaram serviços nesse sentido aos funcionários. Nessa esteira surgiu também o movimento #MenteEmFoco, da Rede Brasil do Pacto Global da ONU, que incentiva o setor privado a adotar uma série de medidas, como um profissional fixo nas companhias.


"Quando comecei a estudar sobre saúde mental, há sete anos, não havia quase nenhuma informação na internet. Agora teve um boom de procura, hashtags, páginas novas, universidades falando sobre o assunto", comemora Helloá, que ressalta que, para além do discurso, é preciso mudar a cultura.

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