Após investimentos recordes em tecnologia, o Brasil fecha 2021 com o número inédito de dez novos unicórnios –nome dado a startups cujos valores de mercado ultrapassam US$ 1 bilhão (mais de R$ 5,6 bilhões), caso das conhecidas QuintoAndar e iFood.
É o maior número desde quando o aplicativo de viagens 99 virou o primeiro unicórnio do país, em 2017. O resultado desbancou com folga o ano-líder anterior, 2019, quando o rebanho brasileiro de bilionárias recebeu cinco startups.
Antes mesmo do fim de 2021, o volume de investimentos em inovação e tecnologia não tem precedentes no Brasil, segundo dados da plataforma Distrito. Foram US$ 8,85 bilhões (R$ 50,13 bilhões) até novembro, mais que o dobro do total de 2020: US$ 3,659 bilhões (R$ 20,726 bilhões).
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Descontando as empresas de tecnologia listadas em Bolsas de Valores –como o Nubank, que após a estreia no mercado de ações se transformou em outro ser fantástico no jargão do setor, um "ipogrifo"–, o Brasil chegou a 18 startups bilionárias.
As empresas de tecnologia do setor financeiro, conhecidas como fintechs, são as mais comuns: somam 7 entre as 18.
Em 2021, porém, elas não foram as mais populares. Apesar de liderarem os investimentos, elas somaram duas entre as empresas mais valiosas, uma a menos que as da categoria de varejo –setor que inflou depois de as medidas de distanciamento da pandemia de coronavírus impulsionarem o ecommerce.
A predominância de São Paulo se manteve: sete das dez são do estado mais populoso do país, duas são do Paraná e uma é de Minas Gerais. Ao longo dos últimos anos, a única fora das regiões Sudeste e Sul foi a cearense Arco Educação, que chegou ao bilhão em 2018, mesma época em que abriu capital na Bolsa de Valores de Nova York.
"É cada vez mais comum a startup virar um unicórnio rápido", afirma o presidente-executivo da plataforma Sling Hub João Ventura.
A rodada em que normalmente se vira um unicórnio no Brasil é a quinta, a E. No último ano, porém, cinco das startups alcançaram precificação de US$ 1 bilhão nas rodadas C e D. Duas delas, na B, ainda mais cedo, segundo a plataforma.
Na corrida para abocanhar o mercado, essas grandes startups têm comprado outras e formado holdings. "É uma avenida que o unicórnio vê para crescer", diz Ventura.
O iFood é o maior exemplo: comprou 13 outras empresas de tecnologia ao longo da sua história. Das
estrelas deste ano, alguns exemplos são Unico e Hotmart, que compraram três startups cada uma.
O crescimento do Brasil não é estranho a outros países do mundo. Foram 491 novos unicórnios ao todo este ano contra 110 em 2020, segundo dados da CBInsights.
Os números mostram que, assim como os seres que as batizam, essas startups parecem viver uma realidade paralela à da economia.
Desde o início do ano, o Ibovespa, principal índice da Bolsa de Valores brasileira, caiu 11,43%, e a inflação superou os dois dígitos no acumulado de 12 meses. Nos EUA, apesar do crescimento de 21,79% do índice que monitora as 500 maiores empresas da Bolsa de Nova York, o aumento de preços é semelhante ao do início dos anos de 1990. No mundo inteiro, variantes do coronavírus seguem derrubando Bolsas de tempos em tempos.
O mercado de investimentos, porém, funciona em outros termos.
"Um ponto importante é a presença do investidor estrangeiro", afirma Ventura. "É relativamente barato colocar dinheiro no Brasil."
Desde janeiro de 2019, o dólar aumentou mais de 50%. Na casa dos R$ 3,70 no início daquele ano, a moeda fechou esta terça-feira (28) valendo R$ 5,64.
O mercado americano, de onde vem grande parte dos investidores, mostra mais sinais de excesso de capital e saturação de empresas do que o brasileiro. "As pessoas têm uma certa dificuldade em achar startups para investir. Começam, então, a destinar mais dinheiro a outros países", diz Ventura.
Fundos estrangeiros normalmente estão presentes na captação em que a startup vira um unicórnio, por causa do alto volume de dinheiro. A japonesa SoftBank, por exemplo, investiu na rodada bilionária de cinco dos dez brasileiros deste ano.
"A gente pode mudar: vamos imaginar que o dólar cai muito. Aí começa a ficar mais atrativo para o investidor local", diz Ventura. Em resumo, defende, instabilidades menos intensas afetam pouco as grandes startups, que dependem do dinheiro de estrangeiros e competem com outras nações em desenvolvimento.
A Selic e suas correspondentes mundo afora podem ser um desses pequenos abalos. Bancos centrais de quase todos os países reduziram as taxas básicas de juros na crise como forma de estimular a economia.
No Brasil, a Selic chegou à mínima histórica de 2% ao ano e assim ficou por cinco meses. Os Estados Unidos seguem com o índice zerado.
Além de diminuir o custo da dívida pública, taxas de juros menores estimulam o investidor a se voltar para o mercado real, que, com rendimentos maiores, fica muito mais vantajoso. Com o aumento da inflação, o BC colocou os juros a 9,25% ao ano na última reunião, no início de dezembro. A expectativa é que o índice siga aumentando em 2022.
Os EUA preparam-se para despedir-se do período de estímulo econômico no ano que vem. O Fed (banco central do país norte-americano) encerrará em março o programa de compras de títulos em curso desde o início da crise sanitária, abrindo caminho para três aumentos de 0,25 ponto percentual nas taxas de juros até o fim do próximo ano.
Nem o cenário acima pintado nem as incertas eleições do Brasil no ano que vem tiram o otimismo de Ventura. "Se a economia for realmente mal, as pessoas não vão ter dinheiro para pedir refeições no iFood, por exemplo. Mas eu acho difícil acontecer uma catástrofe gigantesca em um período curto", afirma.
"A expectativa é de crescimento, porque cada vez mais investidores estão entrando no Brasil. Pode acontecer de a gente superar o número de novos unicórnios em 2022 em relação a 2021", diz o empresário.