Curitiba - Demorou, mas, como não podia deixar de ser, depois de resistir à muitas empreitadas dos inimigos, ''Che - Os Últimos Dias de um Herói'', dos argentinos Héctor Oesterheld e Alberto e Enrique Breccia, finalmente chegou ao Brasil. O quadrinho, que bateu de frente com a ditadura militar dos hermanos, ganhou importância nas últimas quatro décadas não somente devido ao seu teor documental, político e revolucionário; mas também por se tornar referência nas artes gráficas no país vizinho e em nível mundial.
Bem, primeiro a importância da obra na conjuntura dos fatos: o quadrinho foi publicado na Argentina apenas três meses após a morte de Che Guevara, em 1968, em plena ditadura militar platina. Por conta disso, sofreu com a censura, a editora foi invadida, os originais confiscados, a circulação proibida. Em 1973, o roteirista Oesterheld, assim como suas quatro filhas, foi perseguido, torturado e assassinado.
Tudo por conta do teor da publicação, ficcional só que mais documental, sobre a vida e a importância do guerrilheiro que decidiu largar a relativa pacata carreira de médico para transformar suas observações obtidas em uma verdadeira incursão pela América Latina em argumento contra o imperialismo estadunidense.
O título, diga-se de passagem, chega a ser controverso entre os pesquisadores sobre a vida de Che: afinal de contas, o ''herói'' também foi um soldado que contou centenas de corpos dos inimigos. No entanto, inegável é o valor do material, que pontua com formidável crueza a biografia de uma das cem figuras mais importantes da história do século XX.
As ilustrações de Alberto -que conseguiu escapar da perseguição militar, assim como seu filho, Enrique- são um capítulo à parte. O artista incorporou ao desenho elementos de fotografia e supervalorizou o alto contraste, com resultado de claro e escuro imitado até hoje por Frank Miller em Sin City. Até mesmo Hugo Pratt, criador de Corto Maltese, bebeu na fonte dos Breccia.
Além de composições de narrativa iconoclastas para a época, os Breccia incorporaram ao conceito de alto contraste diversas técnicas de arte-final em nanquim, conferindo dinamismo nunca antes visto nos quadrinhos latino-americanos. O impacto foi tão grande que Alberto e Enrique tornaram-se referência na nona arte platina, a ''velha guarda'' presente até hoje na escola argentina, que prefere muito mais a pena do que o Photoshop. Autores mais recentes, a exemplo de Eduardo Risso (''100 Balas'') mostram, nitidamente, essa influência.
Isso tudo faz com que o material da Conrad, com um bela nota da edição brasileira escrita pelo editor Rogério de Campos, altamente recomendado para quem acha que o quadrinho argentino limita-se a Quino ou Maitena.
Serviço - ''Che - Os Últimos Dias de um Herói'' tem formato 21 x 27 cm, com 96 páginas, e custa R$ 34,90.
O material citado acima pode ser encontrado em Curitiba na Itiban Comic Shop: Av. Silva Jardim, 845. Fone: (41) 3232-5367.
A coluna se despede de 2008 com os votos de boas festas para todos os leitores e um mea culpa: gostaria de ter escrito, lido e produzido mais quadrinhos neste ano. Mais responsabilidades no jornal, mais trabalhos paralelos, mais lazer, mais preguiça... Um pouquinho de cada coisa fez com que os textos aparececem com menos frequência. Fica aqui a vontade de publicar mais vezes em 2009 -aquelas resoluções que batalhamos tanto para realizar depois do Ano Novo- e a eterna paixão pelos quadrinhos.
Grande abraço.