Curitiba - O jornalista e escritor Hunter S. Thompson foi um daqueles caras polêmicos, egocêntricos, ''ame-o ou odeie-o'', sempre com uma palavra maldita, um gosto amargo na boca e disposto a dissecar as mazelas da América e do ''Sonho Americano''. No último domingo, conseguiu fazer o que vinha ensaiando há trinta anos. Foi encontrado morto, pelo seu filho, Juan Thompson, em seu apartamento, na cidade de Woody Creek, no Estado do Colorado, nos Estados Unidos. Ele cometeu suicídio com uma arma de fogo, aos 67 anos
Thompson inaugurou o que pode ser chamado de ''jornalismo gonzo'', a radicalização do jornalismo tradicional, mais tarde batizado de ''new journalism'', ou novo jornalismo. Tudo porque conseguia retratar suas pautas de forma única. Narradas sempre em primeira pessoa, suas matérias traziam texto visceral, numa ótica distorcida -sempre à base de muito álcool e drogas-, interessante, inovador e empolgante. Ainda que tenha influenciado toda uma geração de péssimos seguidores -principalmente os estudantes de comunicação- isso levou o autor a escrever para as revistas Rolling Stone e para a Playboy, durante os anos 60 e 70, e também para a Sports Illustrated e para a ESPN.
Essa fase pode ser vista na adaptação para as telas de ''Medo e Delírio em Las Vegas'', do diretor Terry Gilliam, com Johnny Depp e Benicio Del Toro. Também pode ser lida em ''A Grande Caçada aos Tubarões - Histórias estranhas de um tempo estranho'', lançado no Brasil pela editora Conrad.
Mais tarde, cansado de tudo, Thompson largou mão da vida urbana e foi morar em uma pequena fazenda em Aspen, de onde enviava suas colunas sobre futebol americano para a ESPN. Justamente a partir daí começa a trilha de Spider Jerusalem, personagem baseado em Thompson, que decide viver no mato, depois de ganhar uma boa grana escrevendo livros.
Jerusalem, criação de Warren Ellis e de Darick Robertson, protagonizou a série Transmetropolitan, que narra o retorno de um escritor e jornalista aos grandes centros urbanos, em um futuro caótico, dominado pelas enormes corporações, raças híbridas entre humanos e alienígenas, e, como não poderia deixar de ser, por líderes corruptos. Assim, como Thompson, Jerusalem sabia como ''enfiar o dedo na ferida'' de quem gosta de alimentar o povo com falsa liberdade e ilusória democracia. A revista chegou ao Brasil mas acabou sofrendo com falta de continuidade e sumiu após a falência da editora que publicava-a, a Brainstore Editora.
Abaixo estão dois trechos que conseguem descrever bem a personalidade e semelhança entre ambos. Uma lembrança e uma reverência para quem sempre caçou o lado estranho, perturbador e tão real das coisas. E, apesar de trágico, encontrou, à sua maneira.
''Então me mudei para esse apartamento novo outro dia. Parece que me tornei O popular. Entro no escritório do jornal com um artigo novo e meu editor fica com uma ereção de dois metros com dez mil dólares balançando só pra mim. É um lugar caro esse aqui, com vista para o córrego. Num bom dia dá pra ver as bicicletas velhas enferrujadas e os cachorros mortos boiando no canal. Meu nome é Spider Jerusalem e não tem nada que eu goste mais do que cachorros mortos'' - Spider Jerusalem, Transmetropolitan, 1997
''Então, se eu decidir pular na Fonte quando terminar esse memorando, quero deixar bem clara uma coisa: eu sinceramente adoraria dar esse salto. Se não o der, sempre vou considerar isso um erro e uma oportunidade perdida, um dos poucos erros graves da minha Primeira Vida, que agora termina. (...) Mas, Jesus, seria uma maneira maravilhosa de sair fora... e, se eu fizer isso, seus filhos-da-mãe, vocês estarão me devendo uma saudação infernal com uma pistola 44'' - Hunter S. Thompson, 23 de dezembro de 1977.
Música+Quadrinhos: Frank Zappa+Transmetropolitan
Tanto o livro lançado pela Conrad quanto as edições de Transmetropolitan que chegaram ao Brasil podem ser encontrados na Itiban Comic Shop, em Curitiba: Av. Silva Jardim, 845. Fone: (41)-232-5367.