Foram sete anos. Sete dolorosos anos de espera para os fãs da chamada literatura dos quadrinhos. Mas valeu a pena e agora os leitores brasileiros podem acompanhar histórias inéditas do universo de Sandman, o Mestre dos Sonhos. Sete histórias inéditas da obra máxima do escritor inglês Neil Gaiman finalmente chegam ao Brasil no álbum de luxo Sandman: Noites Sem Fim.
De 1989 a 1996, Gaiman encheu os olhos do público e de autores com uma série inovadora, que mudou a concepção de histórias em quadrinhos: mistério, fantasia, mitologia, relatos históricos e referências aos grandes mestres da literatura - principalmente William Shakespeare - em um amontoado de mais de duas mil páginas em revistas mensais.
Sandman conta a histórias dos Perpétuos, seres que administram esferas intimamente ligados a todas as sensações humanas. Destino, Morte, Destruição, Delírio, Desejo, Desespero e, especialmente, Sonho, ou Lorde Morpheus. Eles não são deuses, já que os deuses desaparecem se ninguém tem fé. Estiveram aqui antes de qualquer ser habitar a Terra e estarão aqui depois que o último for embora. Tragédia e comédia, como manda bem a tradição shakespeariana, inundaram as páginas da revista, que contaram a saga de Morpheus e seu questionamento existencial.
Assim, em 1996, todos presenciaram a morte (ou suicídio) de Morpheus e o nascimento de um novo Mestre dos Sonhos - Daniel - que decretou o fim da série. E, desde então, uma ou outra coisa foi realizada sobre Sandman mas nada mais foi contado. E, de acordo com próprio Gaiman, "Noites Sem Fim é um presente para os leitores. Sempre preferi mistérios do que respostas mas dessa vez achei que os fãs mereciam ter algumas coisas esclarecidas''.
E, diferente da série, que contava com muitos artistas irregulares - Gaiman preferia que o leitor apreciasse mais o texto e a narrativa em vez de desenhos bonitos -, dessa vez os maiores ilustradores da atualidade participaram de Noites Sem Fim.
Em Morte e Veneza, Gaiman narra a trajetória de um garoto que teve um encontro inesquecível com Morte. Depois de adulto, ele retorna para esclarecer uma dúvida e acaba ajudando a irmã mais velha de Sandman a resolver assuntos pendentes com um conde que insiste em viver além de seu tempo.
Em seguida, o experiente italiano Milo Manara (famoso por belíssimas ilustrações em contos eróticos), desenha O que experimentei do Desejo, sobre o amor em sua forma mais pura através de uma jovem decidida a conseguir o coração de um jovem guerreiro, que mais tarde vai liderar um bando de bárbaros num pequeno vilarejo.
A terceira história, O Coração de uma Estrela é a mais divertida do álbum, pois une o universo de Sandman com o dos super-heróis da DC Comics. Sandman leva uma acompanhante para uma reunião de estrelas e diversos astros que vão compor as galáxias como as conhecemos hoje - Sol, por exemplo, ainda é apenas um garoto desajeitado procurando por planetas para habitar seu universo. Interessante notar que a companhia do Mestre dos Sonhos, Killalla, será a matriarca de um grupo de anões que dará origem a Oa, o planeta de onde vem a energia dos Lanternas Verdes. Tudo pintado pelo competente espanhol Miguelanxo Prado, que tem na bagagem ilustrações para o desenho animado Homens de Preto e, recentemente, homenageou Belo Horizonte com um especial de comemoração do aniversário da capital mineira, durante sua visita ao Brasil.
Já Quinze Retratos de Desespero é o mais sombrio dos contos, com imagens angustiantes do artista plástico Baron Storey, ao lado do design de Dave McKean, responsável pelas intrigantes capas da série Sandman e do álbum Noites Sem Fim.
Bill Sienkiewicz, que já desenhou especiais do Demolidor e de Elektra, traz sua arte surrealista para Adentrando, em que mostra um grupo de lunáticos na esperança de salvar a mais nova dos Perpétuos. E, pela primeira vez, mostra o novo Sandman, Daniel, em ação depois de adulto.
Na sequência, Glenn Fabry (capista de Hellblazer) desenha Na Península: um grupo de arqueólogos que analisam ruínas incomuns. Eles estudam fósseis de um lugar que está no futuro. E, com a ajuda de Destruição, acabam revelando alguns dos mistérios da humanidade.
Por fim, Frank Quitely (X-Men), em Noites Sem Fim, mostra, com excelente arte pintada, as reflexões do pensativo Destino, o mais velho dos Perpétuos, sobre a humanidade. Cego e acorrentado ao Livro, ele sabe de tudo o que vai acontecer.
Editada pela Conrad, a versão nacional - muito elogiada pelo criador - traz uma tradução bem fiel e tratamento impecável: capa dura com lâmina dourada, apêndice com biografia de todos os artistas, bibliografia de Sandman lançada no Brasil e um interessante prefácio, escrito pelo próprio Gaiman, sobre a produção. Em 160 páginas e formato 19 cm x 28,5 cm, ao preço médio de R$ 59,00, disponível apenas em lojas especializadas.
Tudo isso rendeu ao álbum uma boa colocação entre os dez best sellers mais vendidos do ranking do jornal norte-americano The New York Times. O que, convenhamos, não significa muito para quem curte quadrinhos. Mas estar na frente de John Grisham, por exemplo crendecia Gaiman a já figurar entre os mais populares do mundo. Ele pode não ser um gênio como Shakespeare, Alighieri, Byron mas com certeza, mesmo sendo autor dos tão subestimados quadrinhos, está entre os maiores escritores do século XX. E, porque não, do século XXI também, já que Gaiman ainda parece ter muita coisa boa a produzir nos próximos anos.
Música+Quadrinhos: Raveonettes+Noites sem Fim