A editora Opera Graphica tem lançado mensalmente, desde outubro do ano passado, a aclamada revista 100 Balas no Brasil. Nos Estados Unidos a série já ganhou o O Prêmio Eisner (o Oscar dos quadrinhos) e é elogiada a cada número. Mas no Brasil o sucesso da publicação talvez não se repita. Vejamos por quê.
A trama de 100 Balas começa quando Isabelle "Dizzy" Cordova, uma norte-americana com traços latinos que acaba de sair da cadeia. Logo em sua primeira viagem de ônibus em liberdade, um sujeito identificado por Agente Graves ("grave" é túmulo em inglês e o personagem lembra bastante a fisionomia do escritor Brian Azzarello) lhe oferece a chance de vingar sua família, vítima de então policiais corruptos: Dizzy pode usar 100 balas e uma arma, ambos impossíveis de serem rastreados. Ou seja, a jovem garota tem a oportunidade de fazer justiça com as próprias mãos e sair impune.
A verdade é que o trabalho da dupla Brian Azzarello e Eduardo Risso é fantástico. O roteiro é bem elaborado e os diálogos são naturais, trazem muito da "língua de rua" dos Estados Unidos. O texto imprime um tom cínico ao mundo de 100 Balas e se aproxima muito de Frank Miller em Sin City. O melhor de Azzarello está em sua impiedade: a violência é uma ferramenta a seu dispor para manter a fluência da história, mas sem a costumeira apelação. Em 100 Balas, assim como na realidade, a violência faz parte do sistema e deturpa os valores da sociedade, obrigando seus personagens a fazerem escolhas que levam ao questionamento da realidade em que vivem.
Para manter a narrativa noir e o clima pesado, Azzarello não poderia estar melhor acompanhado. O argentino Eduardo Risso é certamente um dos melhores artistas na DC Comics/Vertigo. Seus quadros trazem sempre a rotação de ângulos e "câmeras" e é incrível como o desenhista consegue alternar traços simples e composições detalhadas. A arte-final e as referências do hermano são dignas de livros de pulp fiction.
Mas voltamos à pergunta inicial: por que tanto talento não seria bem aceito no Brasil? Bem, muitas das críticas de Azzarello dizem respeito ao sistema penal e judiciário, assim como os programas de assistência social nos Estados Unidos (como em Transmetropolitan, em que Warren Ellis usa muitas citações ao american way of life). Além disso, as gírias e muitas das referências utilizadas são facilmente reconhecíveis pelos norte-americanos, mas talvez não façam muito sentido para nós.
No Brasil violência, injustiça, impunidade e crimes são tão comuns e estão tão próximos da gente que 100 Balas parece não ter tanto impacto. E isso, infelizmente, descaracteriza o ponto mais forte de um produção tão bem elaborada.
100 Balas: Brian Azzarello e Eduardo Risso. Edição Nacional pela editora Opera Graphica e nos EUA pela DC Comics/Vertigo. Série mensal de 32 pgs a R$ 6,90.
Música+Quadrinhos: Rage Against the Machine+100 Balas