Não é de hoje que a inquietação feminina revela-se. No século XIX, por exemplo, uma brasileira rompeu a dominação de uma sociedade patriarcal através de suas idéias e posturas vanguardistas e, conseqüentemente, de sua arte. Chiquinha Gonzaga encantou e chocou a muitos com a marcha "Cordão Carnavalesco", cujos versos declaravam "Ô abre-ala que eu quero passá". Depois disso, a maestrina e compositora deixou aberto o caminho que viria a seguir para as mulheres.
Relembrando a figura emblemática de Gonzaga, não soa estranho que oito amigas façam do samba uma filosofia de vida. "Samba de Rainha" desvela o talento para composição em seu segundo CD, "Vivendo o Samba"– já que 11 das 15 faixas são de autoria de algumas integrantes.
Com lançamento independente e distribuição da Tratore, o álbum sugere um registro do que as meninas vêm apresentando nos shows realizados no Brasil e também na Europa. Tanto nas letras quanto nas músicas são notáveis as influências de grandes alegorias do gênero, como na regravação de "Retalhos de Cetim" (Benito Di Paula) e a inédita "Chega de Fazer Pirraça" (Lula Matos/Anderson Baiaco/Adilson Bispo).
A assinatura dos arranjos é do grupo em parceria com o músico e produtor cultural T. Kaçula, que deixa transparecer a preocupação em preservar o samba paulista.
"Samba de Rainha" é Aidée Cristina (surdo e coro), Carina Iglecias (percussão geral e coro), Erica Japa (rebolo), Gadi Pavezi (pandeiro), Nana Spogis (violão), Núbia Maciel (voz), Sandra Gamon (tamborim, repinique e coro) e Thais Musachi (cavaco e coro). As integrantes já abriram shows de Mart´nália, Leci Brandão e Marcelo D2, com quem dividiram o palco.
Em São Paulo, o grupo já conquistou público cativo, acostumado a lotar casas do circuito Sesc com músicas – em sua maioria – vigorosas e inspiradas. Vale atentar que a vocalista, com voz de contralto, "segura" mais em faixas pulsantes, como na abertura do disco "Au Revoir", na romântica "É Difícil Dizer", na bem humorada "É Pomba, Mané" e em "Quero me Largar no Seu Abraço", todas de composição de Aidée Cristina e Núbia Maciel.
Como a própria canção "Desdém", de Aidée Cristina, questiona "O samba merece quem o samba sabe amar/ Que importam meu credo e minha cor?". Diversificado desde a formação, "Samba de Rainha" sugere manter vivo o samba de raiz em música atuais, acrescentando modernidade ao gênero. Mulheres fazendo samba? Descendente de japoneses tocando rebolo? Claro que pode! Abençoada Chiquinha Gonzaga.
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