Os Flaming Lips tiveram que vir ao Brasil (para apresentações no Claro Q É Rock) para que finalmente álbuns da banda ganhassem edições nacionais. A Warner acaba de lançar por aqui os dois melhores discos da banda norte-americana, "The Soft Bulletin" (de 1999) e "Yoshimi Battles The Pink Robots" (2002), e o DVD "VOID", que saiu nos Estados Unidos este ano.
Claro, os dois discos são lançamentos tardios: quem cantou junto com a banda nos shows em São Paulo e no Rio de Janeiro já tinha os melhores álbuns dos Lips na "seção" de importados da coleção ou separados em algum cantinho do HD. Mas quem não conhece a banda e se interessou a partir do Claro Q É Rock tem a oportunidade de acessar o tresloucado mundo do vocalista Wayne Coyne a preços razoáveis.
"The Soft Bulletin" sacramentou um processo de metamorfose sonora que os Lips iniciaram no começo dos anos 90. Nessa época, o baterista, tecladista e guitarrista Steven Drozd entrou na banda. Músico mais habilidoso do que Coyne e o baixista Michael Ivins, Drozd trouxe a técnica e o conhecimento de estúdio de que os Lips necessitavam para desenvolver idéias ambiciosas.
Nos discos "Transmissions From The Satellite Heart" (1993) e "Clouds Taste Metallic" (1995), o rock barulhento, sujo e bêbado com recaídas psicodélicas do início da banda começava a ceder espaço para climas tramados por teclados e efeitos, em canções cada vez mais bem resolvidas. Em "Zaireeka" (1997), álbum composto de quatro CDs que só faziam sentido se tocados ao mesmo tempo, Coyne, Drozd e Ivins finalmente azeitaram suas experimentações.
Em "The Soft Bulletin", ecos, texturas e timbres inusitados, cordas e piano casaram com algumas das músicas mais memoráveis que a banda já escreveu. Os singles "Race For The Prize" e "Waitin’ For A Superman" demonstram que a busca por novas possibilidades sonoras não precisa soar "cabeçuda": as duas canções têm arranjos refinados e densos, escudando melodias de partir o coração. Em "Feeling Yourself Disintegrate", as cordas emprestam um ar nostálgico à deliciosa sobreposição de instrumentos, na qual dedilhados delicados de guitarra acompanham o tom solene da letra e da interpretação esganiçada de Coyne.
As várias paisagens sonoras descortinam diferentes tentativas, desde momentos mais rock (como no refrão pesado de "Buggin’") até construções complexas a partir de células sonoras constantes e repetitivas, num espírito fiel às lições do rock progressivo: as instrumentais "The Observer" e "Sleeping On The Roof" parecem retiradas de alguma trilha sonora.
Em "Yoshimi Battles The Pink Robots", o nível foi magistralmente mantido. Sob o mesmo teto, convivem batidas eletrônicas ("One More Robot/Sympathy 3000-21"), ambient music ("All We Have Is Now"), arranjos que remetem a algum filme da Disney ("In The Morning Of The Magicians"), folk torto ("It’s Summertime") e três quase-hits ("Fight Test", "Do You Realize??" e a faixa-título) de repercussão no mundo indie. Em "Ego Tripping At The Gates Of Hell", Coyne mostra que é capaz de escrever versos de singela beleza: "eu queria que você me amasse/ mas o seu amor nunca veio/ todo o outro amor ao meu redor/ estava sendo desperdiçado/ eu devia estar viajando/ viajando no meu ego".
"VOID" compila todos os clipes da banda desde o início da década passada, quando os Lips assinaram contrato com a Warner. Quem pegou o bonde andando pode conferir como o grupo foi do barulho de "Everyone Wants To Live Forever" até "Mr. Ambulance Driver", canção gravada este ano e que tem presença confirmada no álbum "At War With The Mystics", que sai em 2006. Coyne e seus companheiros provam que trilharam um caminho único na história da música pop: no rock, nunca havia acontecido de uma banda atingir seu auge criativo mais de 15 anos depois de sua formação. Aguarde novas sensações.