Ao contrário do que prega a ética culpada de teor católico que assola parte da crítica e dos fãs de rock, ganhar dinheiro não é pecado. Se os Pixies continuarem fazendo shows pelo mundo tão espetaculares quanto o que o público da Pedreira Paulo Leminski viu, o fato da banda ter voltado apenas pelo dim-dim é irrelevante. A gravadora 4AD também tenta tirar o seu, ao lançar o DVD "Pixies" e a coletânea "Wave Of Mutilation: Best Of" (importados – sem previsão de lançamento nacional).
É curioso notar a forma como um dos produtos é destinado exclusivamente aos fãs e outro apenas a não-iniciados, destes que vão começar a se interessar pelo Pixies devido ao falatório em torno da volta da banda. "Wave Of Mutilation" traz 23 faixas e substitui a coletânea "Death To The Pixies", lançada em 1997, que mostrou aos órfãos do grunge quem é que fazia melhor de verdade, e atualmente está fora de catálogo.
O disco pinça faixas dos cinco álbuns dos Pixies e mais dois lados B ("Winterlong", versão de Neil Young, e "Into The White"), que constavam de "Complete B-Sides" (2001). O repertório é previsível, traz tudo que você está pensando - "Debaser", "Here Comes Your Man", "Where Is My Mind?", "Velouria" - e não tenta evitar os defeitos que são comuns em coletâneas.
Assim, a seleção é representativa mas não ideal, já que sofre das síndromes de obviedade, do politicamente correto – há faixas dos dois últimos álbuns, "Bossanova" (1990) e "Trompe Le Monde" (91), sendo que eu e você sabemos que a pior faixa de "Surfer Rosa" (88) ou de "Doolittle" (89) é superior às melhores músicas daqueles discos – e das escolhas duvidosas: a banda tem lados B melhores do que "Winterlong". Mas, é claro, a única coletânea perfeita é a que está na cabeça da gente. Para quem planeja dar o primeiro passo dentro do mundo dos Pixies, está mais do que valendo.
Já "Pixies" é para fãs devotados. O DVD é dividido em quatro partes: "Live", que traz a íntegra de um show da banda em Londres, em 1º de maio de 88, abrindo para o Throwing Muses, "Videos", que traz todos os sete clipes do quarteto, "On The Road", um vídeo de aproximadamente meia-hora que apresenta imagens de bastidores da turnê de divulgação de "Doolittle", e "Gouge", documentário que alterna um resumo da carreira do grupo e babação de ovo de ilustres como Thom Yorke, David Bowie e Bono Vox.
A verdade é que os Pixies nunca foram uma banda que privilegiava sua imagem: os vídeos de "Velouria" (no qual os quatro integrantes aparecem pulando sobre rochas em câmera lenta) e "Here Comes Your Man" (cheio de distorções que "aumentam" as cabeças de Kim Deal, Black Francis, David Lovering e Joey Santiago, efeitos que já eram vagabundos em 89) são lixo puro. Os outros clipes não vão além do óbvio, embora "Monkey Gone To Heaven", com imagens em preto e branco da banda ensaiando, e "Debaser", tão non-sense quanto a arte gráfica dos discos, se sobressaiam com fórmulas simples.
A seção "Live" é a grande atração de "Pixies". Com o grupo nos cascos, pouco depois de ter lançado seu melhor e mais barulhento disco ("Surfer Rosa"), a performance não é nada menos do que memorável. Abre com interpretações furiosas de "The Holiday Song" e "Nimrod’s Son", em que os vocais de Francis chegam a tal nível de demência que fazem lembrar o quanto os Violent Femmes influenciaram os Pixies – uma conexão que é pouco percebida pela crítica em geral.
É interessante notar a forma amadora como a banda que mudou o rock trabalhava: as cordas da guitarra e do violão de Francis vão quebrando e ele é obrigado a continuar tocando. "Something Against You", "Caribou" e "Tony’s Theme" também são destaques, embora o repertório sofra a lacuna de não ter mais faixas de "Doolittle", que seria lançado apenas no ano seguinte – a única presente é "Hey", em interpretação antológica.
A partir daí, "Pixies" fica um tanto dispensável. "On The Road" é divertido, mas não passa de mera curiosidade. Cheio de blá blá blá de bastidores e brincadeiras, não traz nada de exatamente revelador. "Gouge", por sua vez, é a grande decepção. A pesquisa de imagens foi de uma pobreza imperdoável, já que as únicas inserções musicais são imagens do show que está em "Live".
E um documentário sobre uma banda que traz mais gente de fora falando sobre ela do que os próprios integrantes não pode dar grande coisa: enquanto Yorke e outros famosos soltam clichês ("este é o disco mais sexy", "esse disco mudou minha vida", "Pixies é que nem Velvet Underground"), Francis, Lovering e Santiago abordam superficialmente assuntos relevantes como o início do quarteto e o desgaste de relacionamento que levou ao fim do grupo, em 1993.
Duas constatações sobre "Gouge" são sintomáticas: primeiro, o produtor Steve Albini (que trabalhou em "Surfer Rosa"), que nos anos 90 descreveu os Pixies como "bandinha de faculdade" e "vacas guiadas pelo focinho pelo empresário", comparece não para reafirmar as declarações acusadoras, mas para se resumir a dizer que o grupo era "bem ensaiado e tinha um bom baterista". Segundo, Kim Deal, a pivô da separação da banda, simplesmente não aparece para dar seu depoimento. Com tamanha falta de ousadia, tanto a coletânea quanto o DVD falham ao tentar resumir a carreira de uma das bandas mais inovadoras de todos os tempos.
LANÇAMENTOS
Walkmen – "Bows + Arrows" (Record Collection – importado)
Grupinho que até ontem estava na segunda divisão do novo rock, o Walkmen, de Nova Iorque, ameaça dar um salto de popularidade com este segundo disco. A responsável seria a bombástica "The Rat", que desde já é uma das melhores músicas de 2004. Entretanto, contaminado por pretensões maiores, o Walkmen (que tocou na semana passada em Natal, no festival Mada) não consegue registrar nada mais tão empolgante. Se sai melhor quando opta pela pauleira ("Little House Of Savages"), mas na maioria do tempo prefere o pastiche de Bob Dylan, Tom Waits e outros trovadores. O resultado é monótono e cheira a ressaca. E, vamos falar a verdade, esse vocalista, Hamilton Leithauser, canta mal demais.
Para quem gosta de: Tom Waits, Nick Cave, Velvet Underground.
Mission Of Burma – "ONoffON" (Matador – importado)
Esta banda seminal de Boston surgiu no início da década de 80 e pediu as contas após ter lançado apenas um álbum, um EP e dois singles. Ao seu modo, foram influentes: notam-se nuances do som do Burma em grupos que vieram depois, como Sonic Youth e Sebadoh, e bacanas como Graham Coxon (ex-guitarrista do Blur) e Moby fizeram versões de canções da banda. Agora, eles voltam a gravar juntos, com três quartos de sua formação original (Martin Swope, que fazia os loops, é o único ausente), em "ONoffON". Mesclando (muitas) inéditas e (algumas) regravações (como "Dirt"), o álbum traz faixas espetaculares, como "The Setup", "Falling" e "Wounded World", que são uma aula para qualquer banda que se dignar a voltar com disco nas costas. O único problema é que são faixas demais (15 no total), e o repertório vai perdendo o vigor no final.
Para quem gosta de: The Jam, Buzzcocks, Sonic Youth, "Congregation", do Afghan Whigs.