Música pop

Contra a unanimidade

01 abr 2005 às 11:00

Houve épocas em que era fácil gostar de Beck e de Moby. A fase dourada do primeiro foi lá por 1996, quando seu quarto álbum, "Odelay", foi saudado como obra-prima. Moby experimentou a mesma aura de unanimidade após "Play", disco de 99, que gerou um êxtase de adoração que sobreviveu ao álbum seguinte, "18" (2002). Mas a bajulação desenfreada nunca dura muito tempo – em certos casos, porque a imprensa e os fãs se cansam de elogiar e passam a detratar quem outrora era saudado como gênio, mesmo que o artista em questão continue lançando ótimos discos. Em outras oportunidades, o queridinho da vez realmente não segura a onda, e naufraga com álbuns que não correspondem às (altíssimas) expectativas.

Os novos discos de Beck e Moby, respectivamente "Guero" (Universal) e "Hotel" (EMI), acabam de ganhar as prateleiras e se encaixam no segundo caso de negação da unanimidade. Não se trata de novidade para nenhum dos dois cantores: quem pesquisou a carreira de Beck o suficiente para saber que ele tem dois álbuns no currículo anteriores a "Mellow Gold" (disco de 1994 que continha o hino "Loser") já percebeu em "Mutations" (98) que as coisas começavam a desandar. Aí veio o fracassado "Midnite Vultures" (99), tão ruim que foi negada chance de redenção mesmo após o belo "Sea Change" (2002). O raciocínio de Beck para o novo disco foi tão óbvio que chega a ser constrangedor: se não estão gostando de nada do que estou fazendo, vamos tentar repetir o que deu ibope.


Para Moby, a bajulação resultante de "Play" foi uma surpresa – ele já estava acostumado a ser malhado pela crítica, devido ao mal visto "Animal Rights" (97), álbum interpretado como releitura desastrada de Nine Inch Nails. "Hotel" seria o disco que prolongaria a lua-de-mel (ou o cessar-fogo?) com a imprensa e a platéia modernete ou o que devolveria o artista ao limbo? Pois é, alguma coisa não deu certo.


"Hotel" é arrastado demais. Moby cortou os samples de vocais de música negra que produziram a maior parte do encanto de "Play" e "18" e manteve guitarras delicadas, piano e cordas simuladas no sintetizador, o que acabou por realçar tudo que havia de melancólico e introspectivo em seu trabalho. De tal forma que abundam baladas ("Love Should", "Dream About Me", uma versão minimalista de "Temptation", do New Order) e mesmo os rocks e canções mais agitadas, como "Where You End", "Lift Me Up" e "Slipping Away", chateiam pela intensidade forçada e pelo excesso de lamentação.


Choradeira é algo que quase não se ouve em "Guero", que soa como uma recriação de pouco mais de 50 minutos dos momentos mais malandros da carreira de Beck – leia-se faixas como "Loser", "Devil’s Haircut", "Sexx Laws"... Mas, se antes a falta de compromisso do cantor com um gênero musical específico podia ser interpretada como sintoma de criatividade, hoje se parece com falta de orientação: "Guero" é esquizofrênico, sem inspiração, com um clima de farra mais próximo da insanidade ensaiada de "Midnite Vultures" (ainda que menos reverente ao funk e ao r&b) do que das deliciosas doideiras inconseqüentes de "Mellow Gold" e "Odelay".

Assim, há mistureba sem sal ("Hell Yes"), festa morna ("Que Onda Guero", "E-Pro"), psicodelia de araque ("Scarecrow") e muito tédio. Salvam-se duas baladas, "Missing" e "Emergency Exit", que lembram o grande melodista que Beck é. Desnecessário dizer que é pouco. 2005 está sendo um ano ingrato para música, visto que mais gente que prometia muito entregou quase nada (Queens Of The Stone Age, Trail Of Dead). Haverá salvação?


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