Em "Stories From The City, Stories From The Sea", seu penúltimo álbum, a cantora inglesa PJ Harvey começava: "oh, baby, não é verdade?/ eu sou imortal quando estou com você". Continuava: "eu me sinto como um pássaro do paraíso/ minha má sorte está indo embora/ e eu me sinto inocente como uma criança". Prosseguia: "com você eu espero/ para nascer de novo/ com o amor, chega o dia/ simplesmente me abrace". Comentava sobre um amante: "ele é a melhor coisa que existe/ um sentimento lindo". E concluía: "é amor o que eu estou sentindo".
Na imensa maioria de seus versos, "Stories..." nos lembrava que era um disco de canções de amor felizes. Mesmo em seus dois momentos mais tensos, "This Mess We’re In" e "Horses In My Dreams", a mensagem era terna, apesar da roupagem soturna – a segunda apontava um sentimento de alívio ("eu libertei a mim mesma"), enquanto a primeira, um dueto magistral com Thom Yorke, do Radiohead, era a única música do álbum que falava sobre separação: "eu só quero dizer/ nunca mude, baby/ e obrigado/ eu acho que não vamos mais nos encontrar/ e você deve partir agora". Mas não em tom desesperado: PJ parecia querer dizer que as lembranças boas de um relacionamento são capazes de cicatrizar a dor da iminência do fim.
À época, ano 2000, dava para estranhar. Afinal, Polly Jean Harvey tinha feito carreira com canções angustiadas, cujos versos sombrios raramente permitiam que a esperança conseguisse ar suficiente para continuar viva. No quesito musical, "Stories..." representou o primeiro momento na trajetória de PJ em que ela justificou a rasgação de seda de certos críticos, graças a melodias memoráveis, timbres luminosos de guitarras, uma certa alegria em interpretações vocais majestosas, confiantes – em contraponto à desafinação afetada que norteava os trabalhos anteriores.
Se "Stories..." era um álbum temático sobre o triunfo do amor, o novo disco da cantora, "Uh Huh Her" (Island – importado), que chegou esta semana às lojas inglesas e sai nos Estados Unidos na próxima terça-feira, é o seu contraponto. Em 12 músicas e duas vinhetas, Polly canta as agruras de uma separação, como se o pé na bunda após a euforia de "Stories..." tivesse sido de morte.
À primeira audição, "Uh Huh Her" é incômodo, até decepcionante. Excetuando-se bateria e percussão, Polly tocou todos os instrumentos. Os arranjos são minimalistas, escorados em guitarras discretas, piano, violão. Tanta economia, aliada à péssima arte da capa, dá a impressão de que "Uh Huh Her" é um disco pobre, preguiçoso, pouco mais que uma mera coletânea de sobras.
Aos poucos, entretanto, o álbum revela suas belezas escondidas, o que caracteriza diferença primordial em relação a "Stories...", cujo apelo era imediato. Cantando muitas vezes baixinho, sem esbanjar habilidade no manejo das notas como no disco anterior, Polly parece um animal acuado, ferido. "Shame", com guitarra abafada e teclado espremido ao fundo, "The Slow Drug" e "It’s You" exalam melancolia com detalhes de desespero, e as roqueiras "Who The Fuck", "The Letter" e "Cat On The Wall" remetem aos primeiros trabalhos de Polly, cuja agressividade era permeada por teor depressivo. A ensolarada "You Come Through" é o único momento feliz do disco, ao constatar: "vamos, meu amigo/ beba pelos bons tempos/ desejos dourados/ pela sua saúde e a minha".
O restante do álbum versa sobre tudo que o amor pode ter de errado: obsessão patológica ("por você eu pulo no fogo/ por você eu pulo nas chamas", em "Shame"; "quando não estou com você/ meu sonhos são muito sinistros/ eu sonho com meu cabelo caindo/ eu atravesso túneis escuros do meu coração/ tudo cai aos pedaços", em "It’s You"), medo de sofrer ("por favor, não faça o meu vestido de noiva/ sou muito nova para me casar/ você vê a minha faca de bolso?/ você não vai conseguir me tornar uma esposa", em "The Pocket Knife") e desilusão, bruta e simples ("eu ouvi nossa música no rádio/ (...) eu vou tocá-la até não agüentar mais", em "Cat On The Wall").
No melhor momento do disco, a balada ao violão "The Desperate Kingdom Of Love", Polly conclui: "ao fim deste mundo ardente/ você vai ficar de pé, orgulhoso, rosto levantado/ e eu vou te seguir, pelo paraíso ou pelo inferno". Redenção? A faixa seguinte, a última do disco, "The Darker Days Of Me & Him", vira o jogo: "você me deu uma lição/ que eu não queria aprender/ (...) sinto falta da minha casa/ e de uma terra/ onde nunca se conheceu um homem". O amor é imperdoável, alguém já escreveu.
LANÇAMENTOS
Electric Soft Parade – "The American Adventure" (BMG)
A imprensa inglesa especializada em rock pode ser boa em bolar legendas de fotos engraçadinhas, mas muitas vezes derrapa na hora de dar peso às coisas. Este sublime segundo álbum da banda liderada pelos irmãos Alex e Tom White foi lançado na terra da rainha no segundo semestre do ano passado e solenemente ignorado. Chega agora às lojas brasileiras, e pode ter certeza: é jóia pura. Com resquícios de britpop, o som do Electric Soft Parade acompanha formuletas tradicionais do rock (vide as pesadas "Things I’ve Done Before", "Lights Out") com psicodelia que ora lembra a segunda fase dos Beatles ("Existing", "The Wrongest Thing In Town"), ora remete a nomes contemporâneos como Flaming Lips e Mercury Rev, na competente pesquisa de timbres e nas reciclagens do rock progressivo (a faixa título, "Chaos"). Breve e delicioso, "The American Adventure" merecia melhor sorte.
Para quem gosta de: Flaming Lips, Radiohead fase "Ok Computer", Air.
Gomez – "Split The Difference" (Virgin – importado)
Quem conhece o trabalho do quinteto inglês Gomez vai tomar um susto ao ouvir as três primeiras faixas deste quarto álbum da banda: "Do One", "These 3 Sins" e "Silence" são rockões farristas e popíssimos, nenhum deles passando do terceiro minuto. Pouco a ver com o grupo que já emplacou baladões setentistas como "We Haven’t Turned Around", "Here Comes The Breeze" e "Tijuana Lady", que giravam na casa dos seis minutos. O Gomez nunca soou tão acessível, mas suas influências básicas seguem as mesmas: The Band e outros gigantes do folk rock, pop dos anos 70, blues e um dedinho de psicodelia. O Gomez de outrora é mais facilmente reconhecido nas baladas "Sweet Virginia" e "There It Was", e o grande momento do disco é "Catch Me Up", rockinho caipira agitado e contagioso. Tão empolgante que talvez seja suficiente para resgatar a popularidade da banda, em xeque desde o segundo álbum, "Liquid Skin" (1999).
Para quem gosta de: Creedence Clearwater Revival, Neil Young, Beta Band.
BALADA
Na próxima quarta, dia 9, véspera de feriado, rola no República (Avenida Higienópolis, 2315), em Londrina, o show de lançamento do álbum "Grenade", o primeiro em "formato" banda do grupo de Rodrigo Guedes. Além do Grenade, toca o Mudcracks. Na discotecagem, comandam o som Kid Vinil e este colunista. Convites antecipados estão à venda na MT3 Skate Shop (Rua Pio XII, 363), na Garageland CDs (Rua Pará 971) e na Maha Skates do Catuaí Shopping. A promoção é da Madame X.