O Comitê de Política Monetária do Banco Central voltou a contrariar a expectativa da maioria dos analistas do mercado - que apostavam em manutenção dos juros na reunião de março - e reduziu os juros básicos em 0,25 ponto percentual, para 16,25%, a menor taxa desde abril/2001 (16,25%). A decisão contou com 6 votos a favor e 3 contra, o placar mais apertado da era Lula.
Em termos práticos, a redução é pequena e, por isso, tem um efeito muito mais psicológico, sugerindo uma retomada do processo de afrouxamento da política monetária. Nesse sentido, a decisão em si foi favorável, pois volta a influenciar positivamente as expectativas futuras.
Entretanto, o placar apertado da decisão e o conteúdo das duas últimas Atas sucita dúvidas sobre a coerência do cumprimento dos critérios que norteiam as decisões de política monetária no Brasil, fato que dá margem para especulações de que o Comitê cedeu a pressões políticas.
No comunicado divulgado para justificar a decisão o COPOM disse: "Tendo em vista indicações recentes de redução do risco de desvio da inflação em relação às metas, o COPOM decidiu, por 6 votos a 3, reduzir a taxa SELIC para 16,25% ao ano, sem viés."
Mas se havia preocupação com o comportamento dos preços das commodities em janeiro e em fevereiro, fato que poderia afetar de forma negativa os índices de preços ao consumidor como foi declarado nas últimas duas Atas, então porque houve queda?
Na Ata de fevereiro, o Copom foi categórico ao dizer que suas projeções de inflação de acordo com o cenário de referência apontavam para uma inflação abaixo das metas em 2004 e 2005. Contra-argumentou essa hipótese, no entanto, afirmando que segundo o cenário de mercado as projeções de inflação do Banco Central situavam-se acima das metas para 2004 e 2005. Diante dessas duas posições, o Copom optou pelo que denominou "cautela", considerando a hipótese de mercado e mantendo os juros.
Incorporando a análise do Copom e, portanto, utilizando as expectativas de mercado, registradas na pesquisa Focus do Banco Central, percebemos que a expectativa de inflação medida pelo IPCA para 2004 passou de 6,02% às vésperas da reunião de fevereiro (13/fev) para 5,95% antes da reunião de ontem (12/mar), ou seja, praticamente estável e ainda acima do centro da meta (5,5%). O Copom também afirmou na Ata de fevereiro não haverem dados suficientes para avaliar o efeito da queda de 10 p.p. na taxa Selic, o que sugere que caso houvesse certeza de que as quedas anteriores já haviam sido suficientes para propiciar um impacto positivo na economia, não seria necessário continuar com as reduções na taxa básica. Nesse sentido, seguindo o raciocínio do Copom, os dados positivos da produção industrial de janeiro - alta de 0,8% contra dezembro de 2003 e de 1,7% contra janeiro do ano passado – não contribuiriam para a decisão de reduzir os juros.
Se as expectativas de inflação e os dados de atividade não contribuíram para a decisão de março, resta para fundamentá-la - de acordo com os critérios do Copom - o último resultado do IPCA, cujo núcleo caiu de 0,73% em janeiro para 0,48% em fevereiro.
A partir dessa análise, percebe-se que se a decisão foi acertada, a forma como ela se deu não foi coerente. Reiteramos que havia e há espaço para redução dos juros básicos, o que se questiona é a forma como essas decisões vêm sendo tomadas, contrariando as expectativas do mercado e os critérios anteriormente utilizados. Nesse sentido, ao sinalizar uma conduta e efetivar outra, o Banco Central deixa de cumprir um papel de extrema importância, o de coordenador das expectativas. Como referência podemos citar o comportamento de Alan Greenspan no Banco Central norte-americano, que sinaliza claramente sua conduta a ponto de todos os analistas preverem a decisão de juros. É essa atitude transparente e coerente necessária à condução da política monetária.
A queda dos juros garantirá o crescimento?
É preciso ressaltar que nossa argumentação não é contra o modelo em si. O problema está na dose empregada nas ações da área econômica há praticamente 10 anos. Não há dúvida que era necessário apertar a política monetária ao final de 2002 frente à crise cambial. O ponto central da discussão é, no entanto, a dose e o período de duração da medida, que de remédio paliativo passou a vigorar como vacina. Quando a necessidade é apertar, o movimento é rápido e brusco, mas quando podemos soltá-la não o fazemos, ou o fazemos a conta gotas.
À medida que os juros caem, cresce a expectativa de que o país está na iminência de um processo de crescimento continuado. O fato de o contencionismo monetário ter prejudicado o crescimento em 2003 parece ter disseminado a idéia inversa, de que a redução dos juros será capaz de promover o crescimento continuado e sustentado. E essa é uma inverdade perigosa à medida que afeta as expectativas. Esse é apenas o começo, uma vez que as discussões sobre política econômica no Brasil ainda não saíram do tripé: juros, câmbio e inflação. É preciso primeiramente vencer essa etapa, reduzindo a vulnerabilidade externa. Enquanto isso não ocorrer, o crescimento brasileiro vai continuar à mercê de marés favoráveis do cenário econômico internacional.
Créditos: Sílvia Domit, é analista econômica da Global Invest