***Raquel Gapski
Seguindo a linha da desjudicialização de ações que não envolvam litígio, o novo Código de Processo Civil introduziu o instituto do usucapião extrajudicial ao ordenamento jurídico brasileiro. O artigo 1.071 do Código de Processo Civil de 2015 incluiu o artigo 216-A à Lei de Registro Público regulamentando o novo instituto.
De acordo com a Lei nº 13.105/15, a partir de março de 2016 (data em que o novo diploma processual entrará em vigor), o interessado poderá requerer a concessão do usucapião por tempo da posse pela via administrativa. O instituto é opcional e não retira a possibilidade de ingressar com o pedido perante o juízo competente.
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O espírito da Lei – além de desafogar o judiciário - foi o de tornar mais célere o procedimento e facilitar ao possuidor a aquisição da propriedade fundada no tempo do exercício da posse. "Segundo o RFS-Senado, o modelo adotado para a elaboração do instituto foi o das experiências bem-sucedidas de usucapião extrajudicial constantes do programa Minha Casa Minha Vida, da retificação extrajudicial e da demarcação extrajudicial de terrenos Públicos".[1]
O procedimento extrajudicial não exige a intervenção do Ministério Público tampouco a homologação judicial do registro da aquisição do imóvel. No entanto, não dispensa a cientificação dos confrontantes, titulares de direitos registrados nas matriculas do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, terceiros interessados, bem como da União, Estado, Distrito Federal e Município.
O interessado deverá formular o pedido perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, representado, necessariamente, por advogado. O pedido deverá ser instruído com uma ata notarial, planta e memorial descritivo do imóvel, certidões negativas e outros documentos estabelecidos nos incisos I a IV do artigo 1.071 do novo Código de Processo Civil abaixo relacionados.
A ata notarial já há muito é utilizada para registro de fatos, como por exemplo de situações ocorridas em assembleias empresariais ou condominiais, bem como de publicações constantes na internet. O Novo Código de Processo Civil incluiu a ata notarial como meio de prova, dispondo que a "existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou documentados, a requerimentos do interessado, mediante ata lavrada por tabelião" (art. 384, novo Cód. de Proc. Civil).
Nessa linha, o inciso I do artigo 1.071 estabelece que o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião deve ser instruído com "ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e de seus antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias".
Da simples leitura do referido inciso decorre a ilação de que o tabelião poderá lavrar ata notarial atestando o tempo da posse do requerente. Não sei como isso vai ocorrer na prática, haja vista que para o tabelião atestar o tempo de posse não bastará, a meu ver, a simples declaração do interessado. Me parece que o interessado deverá fazer uma comprovação prévia do tempo de posse mediante apresentação de outros documentos.
Aliás, o próprio artigo 1.071 estabelece em seu inciso IV que o pedido deverá ser instruído, ainda, com "justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel. "
Em vista disso, me parece que ao requerer a ata notarial o interessado deverá levar ao conhecimento do tabelião documentos que comprovem o tempo de posse para viabilizar a lavratura da ata notarial atestando o tempo de posse. Talvez seja conveniente que sejam, inclusive, colhidos depoimentos de pessoas que conheçam o imóvel e detalhes sobre o exercício da posse.
O segundo documento exigido pelo artigo em análise é a planta e memorial descritivo do imóvel assinado por engenheiro ou agrônomo com anotação de responsabilidade técnica. A planta e memorial descritivo devem ser assinadas também pelos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes.
Dessa exigência depreende-se que deve haver a concordância de todos os interessados relativamente ao pedido. Caso a planta não tenha a assinatura de algum desses interessados, o oficial do registro de imóveis responsável pelo processamento do pedido de usucapião deverá notificar o interessado, pessoalmente ou por correio, para manifestar seu consentimento expresso no prazo de 15 (quinze) dias. O silêncio do interessado será interpretado como discordância e impossibilitará a aquisição do imóvel pela via extrajudicial. Neste caso, o oficial do registro de imóveis remeterá o pedido ao juízo competente para processamento judicial.
O pedido deverá estar instruído, ainda, com os documentos já exigidos para o processo judicial: certidões negativas fornecidas pelos distribuidores da comarca em que se localizar o imóvel e do domicilio do interessado e justo título ou outro documento que demonstre a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse.
Ao receber o pedido de concessão de usucapião por tempo da posse, o oficial providenciará a publicação de edital em jornal de grande circulação para a ciência de terceiros eventualmente interessados que, poderão se manifestar no prazo de 15 (quinze) dias. O oficial do registro de imóveis poderá solicitar ou realizar diligência no imóvel para esclarecimento de eventual dúvida.
Caso não haja manifestação de terceiro eventualmente interessados no prazo de 15 (quinze) dias e, estando toda a documentação em ordem, o tabelião registrará a aquisição do imóvel com as descrições apresentadas pelo interessado, podendo abrir a matricula do imóvel se for o caso.
Se o pedido for, por qualquer motivo, indeferido pelo oficial o interessado poderá ajuizar a ação de usucapião perante o foro competente. Caso o pedido seja impugnado por qualquer dos interessados, o tabelião deverá remeter aos autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel para processamento do feito. Nesse caso, o requerente deverá emendar o requerimento para adequá-lo ao procedimento judicial.
Vejo o novo instituto com muito bons olhos, já que a inovação garante o direito de todos os interessados e promete diminuir consideravelmente o tempo e o custo para a concessão de usucapião por tempo de posse. Além disso, o pedido extrajudicial não retira do requerente a possibilidade de ingressar com futura medida judicial caso o pedido administrativo seja indeferido. Resta saber como os cartórios de registro de imóveis irão aplicar as novas regras, sendo certo que o procedimento exigirá a capacitação de serventuários, bem como a regulamentação para a uniformização do procedimento.
***Raquel Gapski é advogada inscrita na OAB/PR sob o nº 31.058, sócia de Assis Gonçalves, Kloss Neto e Advogados Associados desde 2008.