Eu não sei se gosto de James Joyce*. Não sei se algum leitor ou estudioso de suas obras, sobretudo "Ulysses" e "Finnegans Wake", gosta.
Porque Joyce me incomoda. Joyce me instiga. E me provoca.
Como não se sentir incomodado? Em pleno século XXI, mais de 80 anos depois do lançamento de Ulisses ainda não existe livro que o rivalizasse em questões de inovações formais. As técnicas criadas/aprimoradas por Joyce são ainda o que temos de mais "avançado" em literatura.
Ninguém foi além de Joyce até agora.
Ulisses parece ser o fim do caminho. O livro chega mesmo a dispensar o narrador nos seus dois últimos capítulos.
Receita para ler o Ulisses:
Leitura Essencial
- O Retrato do Artista Quando Jovem (J.Joyce)
- A Odisséia (Homero)
Leitura Recomendada
- Dublinenses (J.Joyce)
- A Divina Comédia (Dante Aligheri)
- Hamlet (Shakespeare)
- todo o resto da obra de Shakespeare
- a literatura inglesa escrita até Joyce
Some à leitura essencial uma dose de não imediatismo e grande interesse por questões de qualidade literária. Besunte a literatura recomendada com a busca por referências em doses constantes até aturar.
Deixe descansar (você) e comece de novo.
Por que tamanha dificuldade de leitura? A obra é inovadora, porém ruim, já que não se consegue ler?
Se só alguns conseguem ler, é óbvio que ela é elitista e o problema está com eles (leitores), a minoria.
Será?
Estamos sempre envoltos em cultura de massa, de assimilação rápida e fácil, de estrutura repetitiva. Então nos deparamos com um texto carregado de referências, inovador a cada capítulo, que não lhe permite a criação de uma base estável de compreensão.
Com um problema extra em português: a tradução pernóstica de Houaiss. Se a obra já é complicada por sua própria conta, o tradutor dá uma eruditada no texto todo, inclusive em trechos mais simples. Leia a primeira linha da tradução do Houaiss. Coragem irmão...
Resumão do Ulisses:
Leopold Bloom sai de casa para um enterro e irá percorrer Dublin durante um dia inteiro, visitando biblioteca, jornal, bordel e bares. No final ocorre o encontro com Stephen Dedalus, um jovem intelectual de Dublin. O livro "Retrato do Artista Quando Jovem", é o retrato de Stephen (Joyce?). O Sr. Bloom é o equivalente ao Ulisses (ou Odisseu), herói da "Odisséia" e Stephen, a Telêmaco, seu filho. Assim como na obra de Homero, o herói faz um grande caminho e retorna pra casa, reencontrando o filho, representado por Stephen.
Joyce incomoda por pedir uma atenção não convencional, por exigir uma sensibilidade de leitor que vai muito além do trivial.
Incomoda a ponto de você entender quase nada.
Quase.
Você fica com o sentimento de que tem algo ali que você quase entendeu. Que há muita coisa ali pra revirar.
E quando dá por si, não é mais uma questão de gostar ou não. É uma questão pra responder. Resposta cada vez mais completa a cada leitura, com uma pergunta cada vez mais díficil.
(*) Essa idéia eu empresto de Jacques Derrida em seu ensaio "Duas Palavras", sobre "Finnegans Wake".