O que é um inescrito? Impossível significa não possível. Inexato, não exato. Incorreto, não correto.
Por analogia, um inescrito é um não escrito.
Então, qual é o material do livro da escritora curitibana Luci Collin?
Talvez ela se refira ao que podia, porém não foi escrito ali. Ou talvez a algo até então inescrito. Quem sabe a algo inexplicável, incompreensível, indecifrável.
O que posso afirmar – como qualquer leitor da obra de Luci – é sua sensibilidade, experimentação e variedade.
Já reconhecida como uma das maiores escritoras brasileiras da atualidade, por nomes como Valêncio Xavier e Luiz Ruffato, Inescritos confirma tal mérito.
Professora do curso de Letras da Universidade Federal do Paraná, a doutora em Letras Luci Collin é uma típica representante do escritor oriundo da academia: alguém capaz de atuar na crítica, criar e lecionar literatura.
Uma autora dotada de compreensão histórica, conhecimento literário, reconhecimento e referenciação de obras existentes.
Mais que o prazer da experiência de leitura, cada livro novo apreendido é uma lição.
Inescritos é seu terceiro livro de contos e, sem dúvida, o seu melhor (os anteriores são, respectivamente, Lição Invisível e Precioso Impreciso). Além destes, Luci também publicou 6 livros de poemas. Decididamente não estamos falando de uma iniciante.
Toda a experiência anterior colabora na confecção de seus contos. A beleza poética do texto não é gratuita ou casual.
Suas características "essenciais" permanecem as mesmas desde seu primeiro catálogo de contos: experimentação, perversão gramatical, auto-ironia, sensibilidade, sensualidade e humor.
Os contos curtos e circunstanciais, por vezes tendendo ao absurdo e à desconstrução psicológica, por outras à simplicidade, montam um belo panorama do que é literatura moderna.
Momentos de angústia e auto-engano como em "Imagens Desabrigadas". Situações cômicas e de auto-reflexão sobre o papel de autor (e da própria autora) em "No Céu Com Diamantes". O absurdo cotidiano em "Virtudes do Alerião". A sensibilidade genial e experimental em "Dir-Te-Ei Quem (Psicotópicos)". A prosa poética feminina (e não feminista) em "Figuração" e "Frases de Renda".
Uma grande variedade de temas.
Na verdade, um catálogo de temas e experimentos a cada conto, magistralmente conduzidos pela autora. A impressão da leitura é de que a autora tem controle total sobre o que faz, para que o leitor não precise ter nenhum.
Para que o leitor livre possa recriar o texto para si.
Como sugere Gaston Bachelard em seu livro Poética do Espaço, que o texto seja o gatilho para o devaneio do leitor. Devaneio esse bastante caro a Bachelard.
E muito bem executado por Luci. Seus textos são um chamado às nossas lembranças e vivências.
E a memória da nossa vida é sempre a melhor história de todas.
Talvez o inescrito seja isso. Esse texto íntimo, que parte do escrito no livro para a experiência de cada leitor.
Leituras Relacionadas: A Paixão Segundo G.H. (Clarice Lispector), Lição Invisível (Luci Collin), Cidade Inventada (Cristovão Tezza), Um Atrapalho no Trabalho (John Lennon) e Com Meus Olhos de Cão (Hilda Hilst)
Maiores informações sobre a aquisição do livro podem ser obtidas no
site da Travessa dos Editores.