É surreal (literalmente), eu sei, mas eu sonhei que conversava com Neil Gaiman. Não fiquei muito espantado, afinal era um sonho. Ainda aproveitei para bater um papo com "O" cara.
Comecei perguntando pro Gaiman-sonho se ele se incomodava de ser o cara-que-escreveu-o-Sandman. Ele respondeu que não, que ele tinha orgulho de ter escrito uma das maiores séries de história em quadrinhos de todos os tempos – em sonhos, as pessoas são menos humildes - e de ser um dos responsáveis pelo reconhecimento artístico que essa arte tem hoje.
Gaiman-sonho emendou (com sotaque britânico) que ele gostava de contar histórias, seja escrevendo roteiros de cinema, seja escrevendo roteiro de quadrinhos seja escrevendo seus livros. Aproveitei e disse que gostava de romances como "Lugar nenhum", mas que achava o ponto forte dele os contos. Ele perguntou se eu gostava do "Deuses americanos"; respondi que não tinha lido porque o livro está esgotado no Brasil. Gaiman-sonho sorriu e disse que gosta do Brasil. Foi onde ele encarou as duas maiores filas pra autógrafos da sua vida – a última foi na FLIP de 2008. Se despediu e foi. Acordei.
Na verdade, meu sonho foi bem menos informativo que isso. Se resumia a eu falando e o Neil Gaiman me olhando confuso e dizendo: Sorry, I can’t understand.
Na vida desperta, encontro as razões desse sonho: a excelente meia coletânea de contos chamada Coisas frágeis. Calma, eu explico:
Em relação à edição americana e inglesa de Fragile things, a versão nacional, lançada aqui pela editora Conrad, tem metade do tamanho. Vários contos foram suprimidos e se eu não tivesse resolvido comparar os índices das duas edições, nunca saberia.
Publicar pela metade já é complicado. Não avisar que faz isso é descaso com o leitor.
Passado o momento ouvidoria, ao livro:
Gaiman é um desses grandes contadores de histórias, tão típicos na literatura de língua inglesa. Não importa se ele escreve o roteiro de um filme ou de um quadrinho, se faz um conto ou um poema. Ele tem o que dizer e sabe como dizer. Ele é um dos "descendentes" de uma linhagem de escritores como Edgar Allan Poe, H.P. Lovecraft, Stephen King e Ray Bradbury.
Em alguns contos o clima vitoriano, em outras as temáticas fantásticas, em outras o terror gótico e, ainda em outras, a ficção científica. E tudo isso no mesmo índice. Acrescente tudo isso a grandes ideias, faça passar por Neil Gaiman e pronto, tem um grande livro nas mãos.
Como é o caso desse Coisas frágeis.
O primeiro conto é uma homenagem a dois universos ficcionais encantadores: o de Conan Doyle e seu detetive perspicaz Sherlock Holmes e o universo obscuro de H.P. Lovecraft. Para quem lê em inglês é possível ver uma versão com uma diagramação que imita jornais vitorianos AQUI.
A segunda narrativa é sobre os meses do ano contando histórias ao redor da fogueira e agora é a vez de Outubro. Existem narrativas ligadas ao universo dos livros Deuses americanos e Filhos de Anansi - ambos de autoria de Gaiman; uma narrativa que discute o destino de uma personagem do Crônicas de Nárnia, outra sobre uma rara ave para se jantar, outra ainda do universo de Matrix.
Pode-se concluir que é um livro feito por um leitor. Há quem reclame que Gaiman não tenha a profundidade de Steinbeck ou de um Hemingway, mas não se pode, nunca, negar que o homem tenha referências. E que sabe transformar a matéria dos sonhos em tecidos legíveis e nos manter, mesmo despertos com um pezinho lá no Sonhar.
Sugestão de leitura:
Fumaças & espelhos (Neil Gaiman),Um estudo em vermelho (Sir Arthur Conan Doyle), Histórias extraordinárias (Edgar Allan Poe), A voz do fogo (Alan Moore) e A tempestade (Willian Shakespeare).