Equilíbrio Financeiro

A BOLHA BRASILEIRA.

31 dez 1969 às 21:33

A BOLHA BRASILEIRA.

José vai à loja para comprar um carro.
Pedro, o lojista consegue financiamento para seus clientes na financeira GrandKoisa.


A GrandKoisa financia os carros para os clientes do lojista e repassa um "rebate" da taxa de juros cobrada, o que é bom para Pedro .


José gosta de um carro e aceita pagar R$ 450,00 por mês durante os próximos seis anos. À vista o carro custa R$ 16.000,00, financiado a operação será a seguinte: entrada de R$ 3.000,00 mais 72 x R$ 450,00 (R$ 32.400,00), total R$ 35.400,00.


Pedro quer vender o carro, pois ganha na venda e ganha no rebate da taxa de juros embutida no financiamento. A GrandKoisa quer financiar quantos carros puder, pois a sua mercadoria é DINHEIRO e com isso gerar uma CARTEIRA de recebíveis.


O Banco LostBank compra a carteira de recebíveis e coloca os títulos em seu Fundo de Investimento, o Fundo Del Poço.


Maria cliente do banco recebe um prospecto do fundo e pergunta a sua gerente sobre a aplicação. Boemia a gerente explica que a rentabilidade do fundo é muito boa e segura. Funciona mais ou menos assim: o banco compra títulos com garantia real da sua própria financeira, tudo muito legal e com auditoria. Esses títulos que são "garantidos" rendem para o banco uma taxa futura que depois de descontadas taxa de administração e outros custos da operação, garantem uma rentabilidade mensal superior a da caderneta de poupança.


A cliente Maria aplica R$ 16.000,00 no Fundo Del Poço, e chegando na empresa comenta com outros amigos que graças a sua amiga Boemia Gerente do LostBank aplicou no Fundo Del que tem rentabilidade muito superior a outras aplicações.


Várias pessoas procuram o banco e aplicam seus recursos, outros procuram a loja de carros do Pedro e compram carro financiado, a GrandKoisa financia muitos carros e gera muitos recebíveis que serão comprados pelo banco para compor a carteira do Fundo de Investimento. E assim a roda gira.


Dois anos depois vários clientes incluindo o seu Jose procuram Pedro em sua loja de veículos para negociar aquela compra de carro. Como perdeu o emprego e ainda restam 48 prestações de R$ 450,00 , (R$ 21.600,00 ) Jose fica desesperado pois não tem com o que pagar e o saldo devedor é muito superior ao valor atual do seu carro R$ 10.000,00.


O comerciante fala para os seus clientes que ele não tem nada a ver com isso e que o melhor a fazer é procurar a financeira.


José que é um dos clientes liga para a GrandKoisa e como já está com prestações em atraso é orientado a falar com a empresa de cobrança contratada pela financeira.


Surge mais um participante da operação, o escritório de advocacia Naum Quero Saber, ele é atendido por um assistente do escritório e fica estarrecido com a explicação; "Sr. Zé veja bem, o melhor a fazer é devolver o carro para a financeira, daí vamos colocar o carro a venda em um leilão, ele provavelmente será negociado por menos do que o seu valor de mercado. Depois descontamos os custos da operação, taxa do leiloeiro, despesas do escritório de advocacia e outras. No final das contas vamos abater o resultado do seu saldo devedor".


Meu Deus, exclama José, e em dinheiro o que vai dar isso?


A sua dívida está em R$ 21.600,00, fora taxas e correções, menos o valor aproximado da venda no leilão do seu carro por R$ 7.000,00, menos despesas, no final o senhor ainda deve ficar devendo uns R$ 15.000,00.


Olhando a sua volta Jose percebe que tem muita gente com senha na mão esperando para falar com alguém da empresa de cobrança. Lembra que na loja algumas pessoas estavam esperando para falar com Pedro.


Nessa altura o que já estava ruim fica ainda pior, a Financeira GrandKoisa percebe um grande aumento no número de inadimplentes e com a redução dos prazos de financiamento, está fazendo bem menos do que nos anos anteriores. O Fundo Del Poço observa um grande número de inadimplentes e não consegue substituir tantos títulos e sua carteira que estão com problemas.
A rentabilidade do fundo não é boa.


Os jornais estampam a notícia que o preço do carro usado esta caindo muito e rápido, os pátios das lojas estão cheios, as empresas de leilão estão a todo vapor, empresas de cobrança acionam os mecanismos de busca e apreensão, financeiras em campanha tentando caçar novos clientes.

Com a grande oferta de carro novo, carro usado e carros a preços baixos sendo leiloados, o preço tende a cair.


Os clientes do fundo começam a notar que a rentabilidade piorou e procuram explicações com a gerente Boemia, ela pede ajuda ao pessoal da área de investimentos do banco. A explicação é simples, compramos uma carteira de recebíveis, os títulos não estão sendo honrados e a substituição na carteira não acontece por falta de novos títulos, alguns cotistas estão sacando, os custos de taxa de administração e outros do fundo continuam os mesmos. A coisa tá feia.


Agora o prejuízo não é somente das montadoras, revendas, financeiras é também dos cotistas que aplicaram seus recursos nesses fundos de recebíveis com garantia de prestação de carro "usado".


Essa é a grande bolha brasileira, a recessão traz desemprego, o aperto monetário, a falta de crédito faz com que a economia não ande como nos áureos tempos, e com isso a inadimplência atinge índices jamais vistos.


Esperamos que esses acontecimentos nunca aconteçam, mas acontece que a trajetória que fizemos até o presente momento é de colisão, sinto muito.

Altemir C. Farinhas
www.equilibriofinanceiro.com.br


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