MEIO-TERMO ENTRE A LEITURA E A EXPERIÊNCIA
No livro Vitaminas filosóficas – A arte de bem viver", Theo Roos diz que não se deve ler demais e que é bobagem pensar que a leitura aprimora as pessoas. Diz ainda que Schopenhauer zombava de quem se distraía lendo ao invés de pensar por si mesmo e que se deve encontrar um saudável meio-termo entre a leitura e a experiência.
Quem lê essas frases distraidamente, pode entender de maneira insatisfatória o pensamento dele: pode entender que ele seja contra a leitura edificante e que julgue ler uma perda de tempo. E aqueles que não gostam de ler encontram um respaldo para a sua desleitura e pensam: "Viu? Eu não disse que ler é uma bobagem", mas não é bem assim.
NÃO SE DEVE LER DEMAIS.
"Não se deve ler demais" não significa que a leitura não deva ser praticada diariamente; significa, sim, que a leitura não deva ser mera ação cotidiana de distração, como ocorre com a televisão e com a internet. Ler por ler não leva a nada. Há de haver um fundamento para a leitura. Ler quarenta livros das coleções Sabrina, Júlia e Bianca talvez não traga muitos benefícios ao indivíduo, mas ler uma – uma única - obra-prima da literatura universal, ou ler um romance bem escrito, como Viva o povo brasileiro, de João Ubaldo Ribeiro, certamente deleitará quem tiver tal experiência. Não se deve ler demais mesmo. Deve-se, sim, ler bem; a quantidade é o que menos importa.
"É bobagem pensar que a leitura aprimora as pessoas" não significa que não haja leitura edificante; significa, sim, que o simples fato de ler não ensina coisa alguma a ninguém, mas ler refletindo sobre os acontecimentos em torno das personagens, analisando-as como se fossem seres reais, leva-nos a pensar em nossa própria vida.
OS IRMÃOS KARAMÁZOV.
Lendo o primeiro volume de Os Irmãos Karamázov, de Fiódor Dostoiévski, encontrei a seguinte frase: "Quem mente para si mesmo e dá ouvidos à própria mentira chega a um ponto em que não distingue nenhuma verdade nem em si nem nos outros e, portanto, passa a desrespeitar a si mesmo e aos demais. Sem respeitar ninguém, deixa de amar e, sem ter amor para se ocupar e se distrair, entrega-se a paixões e a prazeres grosseiros e acaba na total bestialidade em seus vícios, e tudo isso movido pela contínua mentira para os outros e para si mesmo." Como uma frase dessas pode não me aprimorar? Não me aprimorará se eu passar por ela sem interesse algum, mas não foi o que ocorreu. Ao terminar de lê-la, parei a leitura do livro, anotei a frase, guardei o livro e passei a refletir sobre o seu significado.
Será que eu crio as minhas mentiras a mim mesmo e não me apercebo disso? Em quais setores de minha vida é mais provável que isso possa acontecer? Tenho de me indagar concernentemente a isso porque o que é próprio ao ser humano é próprio a mim também; se isso acontece com as pessoas, pode acontecer comigo também. Essa reflexão me leva a um aprimoramento, pois, com isso, tento me melhorar. Caso lesse o livro e passasse por essa frase com uma simples ‘leitura relâmpago’, em nada o livro me aprimoraria. O segredo está na ação; na leitura ativa, na leitura crítica, com a qual busco o que possa ser interessante a mim.
PENSAR POR SI MESMO.
"Schopenhauer zombava de quem se distraía lendo ao invés de pensar por si mesmo". Talvez Schopenhauer quisesse criticar aqueles que usam ideias alheias como se suas fossem; aqueles que leem um livro e saem por aí vangloriando-se de ter tal sabedoria sem a ter de fato; apenas a retiveram na memória e a retransmitem aos demais como se a tivessem apreendido. São os que preenchem suas lacunas com teoria alheias, enquanto deveriam preenchê-las com sua própria vida.
Talvez resida aí o segredo de uma boa leitura: Não passar a pensar como o autor da obra literária pensa, mas usar as ideias contidas nela para aprender a pensar por si mesmo, isto é, aprender a refletir sobre a sua própria vida, tomando como base aquilo que um grande pensador escreveu. Afinal esses homens e essas mulheres maravilhosos têm muito mais sabedoria que muitos de nós juntos.