Coluna do Eloi Zanetti

A Volta do Popular de Almeida

12 jul 2002 às 10:59

Criou também várias figuras populares e, através delas, contava os sonhos, as aspirações e o comportamento do povo da sua época. Peço a licença ao mestre para misturar seus personagens e criar o Popular de Almeida.

Desde que a sociedade brasileira entrou nos anos dourados do milagre econômico, teimamos em deixar de ser populares para nos encantarmos com sonhos de consumo que não são nossos. Pensamos viver na Flórida, mas moramos em Coxipó da Ponte.


Os filhos das últimas gerações das classes média e média alta brasileiras aprenderam a repetir inconscientemente o bordão: - "Meu pai é rico, eu sou mauricinho." O mercado, que é vivo e promove mudanças sutis e traiçoeiras para quem não está atento, nos mostra hoje que papai deixou de ser rico e que o dinheiro agora está indo parar nas mãos do jardineiro, da diarista e do profissional liberal de periferia.


Até recentemente, o Brasil de verdade era pouco exibido nos meios de comunicação. Nossas agências nos retratam em anúncios, onde loiras valquirianas e famílias estereotipadas em modelos americanizados, vendem produtos para as classes A/B, de 25 a 35 anos, considerados modernos e liberais. Está na hora de acordarmos e enxergarmos o país como ele realmente é: tremendamente popular.


Mário de Andrade, que caminhava com intimidade pelo nosso inconsciente, nos mostrava através de um Macunaíma babão e encantado pela princesa branca e européia. É de longa data que tentamos copiar modelos estrangeiros, nos esquecendo de enxergar o quanto somos originais.


Nossas elites, se é que podem ser chamadas assim, desviam os olhos quando passam em frente a mercados populares. Pura bobagem, porque o Brasil é, na sua maior parte e tempo, o país das ruas, lojinhas, feiras e camelôs. Dos bares, botecos e vendinhas. Da informalidade no trato pessoal e nas regras do comércio.


E nosso povo anda tão bem por estes caminhos que, por mais que os homens de marketing e da comunicação tentem mostrá-lo sob outra roupagem, ele emerge e se mostra esplendoroso.


Nos últimos anos, o Popular de Almeida renasceu e está disposto a comprar cada vez mais, caso os nossos homens de mercado, hoje, voltados para Boca Raton e Nova Iorque, acordem e aprendam a falar com este novo consumidor.


Bastou o Plano Real regular os preços e permitir que uma parte do dinheiro fosse parar no bolso dos populares para que estes aparecessem com toda a sua força e brasilidade, usando e abusando da sua breguice, do seu discutível mau gosto e se revelando nas cores vibrantes e cheias de vida do verde, amarelo, azul e vermelho que, somadas a sua maneira de ser ruidosa, fazem o nosso país do jeito que é.


O Brasil tem barulho de feira livre. Preste atenção quando viajar para fora do país. Pare alguns segundos no aeroporto do qual você vai partir e escute o barulho. Depois, no país de destino, pare de novo, escute e faça a comparação. Até os nossos aeroportos são mais barulhentos e animados do que os dos outros países. É a nossa maneira de ser, pois mostramos a nossa alma na algazarra de viver, e nos ruídos tropicais das nossas florestas e na nossa maneira meio desorganizada de arrumar as coisas. A nossa natureza teima em nos dizer todos os dias:


- Não destruam a terra e o comércio de Pindorama! Somos abençoados, vamos viver como sempre vivemos, animados, encalorados, suados, nos movimentando sem parar nas nossas ruas e mercados. Não segurem a economia deste país. O Brasil não deve sufocar o Brasil. Deixem que o povo nas ruas faça o seu comércio, as suas compras e vendas. Liberados, poderemos saltar facilmente de escala para nos posicionar como uma das maiores economias do mundo.


Se somos o povo da informalidade no trato pessoal, por que não haveríamos de ser também na informalidade econômica, se uma é espelho da outra? É preferível mil vendinhas de beira de estrada, do que um gigante X-Mart-Qualquer-Coisa que suga as nossas indústrias até a exaustão, desempregando milhares sob a ótica da perfeição, do comércio arrumadinho e do lucro a qualquer custo. O dinheiro brasileiro que circula nos check-outs destas lojas padronizadas nos diz bye-bye, indo embora sob a forma de dólares, para as sedes das suas multinacionais. Mercadinhos de periferia, não se entreguem aos gigantes do comércio, depois das privatizações desastradas, vocês são as nossas últimas esperanças!


Nos últimos anos, fenômenos da comunicação, como o Programa do Ratinho, apareceram para nos mostrar, escancarada e destituída de censura, a nossa verdadeira face.


O Brasil do Ratinho é o Brasil da gente. É com este povo que os mercadólogos precisam aprender a lidar e a vender. Precisamos criar, preparar e arrumar produtos para este povo. Vi, um dia desses, um fabricante de sardinhas que vendia um milhão de latas/dia de apenas uma de suas marcas.


O mercado popular no Brasil já representa 52% do consumo. O povo quer comprar de você, desde que sua empresa saiba chegar no preço que ele pode e quer pagar, fazer produtos ao seu gosto e descobrir os segredos da sua distribuição. É por isso que canais de TVs que antes falavam com a classe média alta, hoje se direcionam desesperadamente para as classes populares. Por exemplo, quem já operava neste segmento, falava com o povo desde longa data, é o Silvio Santos. Ele está nadando de braçadas neste novo mercado. Alguns anunciantes mais espertos já descobriram que não é vergonhoso para suas marcas anunciar em programas populares. Experimentaram e estão dando risada com os bons resultados nas suas vendas, porque, hoje, o que importa realmente é vender. O institucional está sendo deixado de lado ou trabalhado de outra maneira.


Os publicitários precisam urgentemente se reciclar e aprender a falar a linguagem do nosso povo, por que, se isso não ocorrer, quando forem bater nas portas das casas de subúrbios, oferecendo os produtos dos seus clientes, vão ouvir que: "Isto não é comigo. Não sei o que você está falando. Não me vejo na sua propaganda. Aquela loira não é a minha filha, aquela família não é a minha família."


Adoniran Barbosa, um popular assumido, disse certa vez, de maneira magistral: "O sujeito, pra fazer um samba, mas um samba, assim sentido....tem que ser narfabeto."


O Popular de Almeida ressurge depois de anos de ostracismo. O brega encontrou sua praia. O povo mostra a força do seu bolso. O rico mercado dos pobres emerge, fazendo novas fortunas para quem souber perceber para onde está indo o dinheiro picado. As marcas talibãs prosperam, desafiando as líderes, que até ontem eram as rainhas da mídia e do mercado.


Nós, que trabalhamos com a comunicação, se não soubermos lidar com este povo, teremos que abandonar nossa escola importada e nos valer de gente que sabe fazer isso, pois as linguagens oral, visual e gráfica precisam ser rigorosamente calibradas para este público. O México, onde shampus de um litro são comuns para toda a família, assume a sua identidade brega sem preconceito, medo ou vergonha e dá um banho de competência mercadológica popular em nossos profissionais.

Publicitários, em vez de ir a Cannes, não seria melhor dar um pulo nas feiras do interior, principalmente nas do Nordeste? Que tal sair dos nossos bares da moda e passear pela Rua José Paulino, e em vez de festivais de Jazz e Campos do Jordão, ir às gentes e às festas em Dourados, Londrina ou Cuiabá? Porque, daqui para a frente, quem quiser vender mesmo, neste país, vai ter que aprender a falar a linguagem do Popular de Almeida.
Elis Regina já cantava: "O Brasil não conhece o Brasil."


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