Sempre que me deparo com questões de moral, política e sociedade caio nessa real e sofro.
Agora explico: meu pai nasceu em 1920. Teria feito 84 anos no último domingo e por isso me vieram lembranças tão reais. Percebi o quanto estamos parados no tempo.
Nascido e criado em uma pequena cidade do Pampa gaúcho, a Bagé que ficou famosa nos escritos de Luis Fernando Veríssimo por possuir um psiquiatra para lá de bagual (termo usado no pampa que é sinônimo de homens de hábitos muito rudes, comuns naquela região e, cá para nós, em todas as regiões do mundo sempre tem uns ou outros), meu pai era contra um monte de coisas. Principalmente àquelas que até hoje alastram e infestam nossas vidas e a de quem busca um pouco mais daquilo que vê a frente.
Casamento???Odiava. Casou quase aos 50. Mesmo assim lá em casa o clima era de direitos iguais. Pai e mãe trabalhavam muito. Filosofia, pedagogia e contabilidade.
Teorias sobre reputação alheia, ou melhor, fofoca?? Nem sob tortura fazia. Para ele todos tinham direito a se comportar como queriam e, desde que fossem honestos e simpáticos com o resto da comunidade (claro que tinha uma regra de não mentir, trapacear ou roubar), debaixo dos pelegos (também outro termo gaúcho que na verdade é um tapete de pele) cada um faria o que bem entendesse. Certo ele.
Se fosse a alguma festa e nós perguntássemos com que roupa fulana estava ele sempre respondia: vocês pensam que eu não tenho mais o que fazer?? Nunca falava sobre futilidades. Era um homem moderno. Morreu vítima de câncer mais um mal que a modernidade ainda não conseguiu aplacar.
Voltando ao século 21 penso no que vejo hoje: famosos sendo presos com drogas (sim o ex-Big Brother curitibano Buba ainda está na cadeia acusado de tráfico por ter sido pego com 18 píllulas de ectasy e um punhado de maconha). Maradona quase morto vítima de problemas cardíacos acarretados por tanta linha de cocaína percorrida ao longo de seus 40 e poucos anos.
E o governo do Paraná então? O governador Roberto Requião torceu o dedo de um repórter em plena entrevista coletiva, semana passada. Pode?????? Vivemos uma época em que tudo "pode" e que todos são muito antiquados, diria mais são bárbaros, ainda não saíram, no sentido comportamental, da Idade da Pedra, só sofisticaram suas armas e seus vícios.
A educação de respeitarmos uns aos outros e de nos valorarmos pela nossa bagagem espiritual e cultural está longe de ser uma realidade modernista.
A busca pelo aprendizado idem.
Tarde dessas um telefone tocou. Era uma jornalista do outro lado da linha. Ela me perguntou se eu tinha alguma explicação para o pouco caso que os colunistas do Estado deram à passagem de Tomie Othake por Curitiba. Ela não entendia como, ao divulgar um vernissage em homenagem à artista com grandes nomes brasileiros como Tarsila do Amaral e Lasar Segall sendo expostos no Museu Oscar Niemeyer a imprensa social havia ignorado o evento?
Daí pensei: Tomie tem 90 anos. É uma grande artista que veio em meados do século passado do Japão para cá. Tem um centro cultural que leva seu nome em São Paulo e uma relação intima com a arquitetura (seu filho Ruy é famoso), fato que a levou a ser homenageada no MON. Muita gente não tem a mínima idéia de quem ela se trate. Se valorassem a arte não estariam preocupados em saber quem são os falidos da estação.
Talvez se Roberto Requião pensasse com mais arte ou visse mais poesia ao invés de se comportar como um "bagual (viu como a palavra serve para quem é de fora do Rio Grande do Sul)" não tivesse torcido o dedo do rapaz. Talvez eu se não tivesse ouvido os conselhos de meu pai também estivesse olhando para o imenso quadro de Tomie que tenho em meu quarto e não entendendo absolutamente nada.