Três horas. Este foi o tempo que tive junto a uma das pessoas mais interessantes que conheci na vida.
Já faz uns dez anos. Éramos distribuidores de um grande fabricante de amortecedores; empresa brasileira de nome japonês. Daquelas, cuja maior preocupação era fornecer um produto de alta qualidade mas que, na área de logística, não era nenhum exemplo. Um dia enviei-lhes um fax, onde fazia lá as minhas reclamações. Não deu quatro dias; lembro-me bem, por volta das 11:00 horas me informaram que uma pessoa daquela indústria estava na recepção. Ele não se identificou. Nem perguntei quem era pois logo imaginei que fosse o representante, que tantas vezes me visitava. A porta da minha sala estava aberta, e pude ver um Senhor, que eu não conhecia, baixinho, uns 55 anos. Roupa esporte, mãos no bolso, japonês das pernas tortas. Entrou, apresentou-se como Itiro, simplesmente, Itiro. Não me deu seu cartão de visitas. Disse que "era da fábrica" e que veio a Curitiba por um único motivo; agradecer a minha correspondência pois, "graças a coisas como essas, conseguiam melhorar". Simples e objetivo como os (bons) orientais, que fazem da discrição e da tranquilidade o seu cartão de visitas. Não precisei ser um médium-vidente para perceber que na minha frente estava uma pessoa de alto nível profissional e, desconfiei, também humanístico.
Por volta das 11:30 horas pediu-me a sugestão de um bom restaurante, e convidou-me para almoçar. Aceitei, inclusive o convite para que eu fosse com ele já que tinha vindo de São Paulo "com o carro e motorista da empresa." Fomos a uma churrascaria e, de conversas profissionais, empatias foram nos levando a conversas informais. Cada vírgula que vinha daquele Senhor era aproveitável. Mas algo merece destaque; contou-me que é um costume japonês adotar os ensinamentos de algum sábio, como base a uniformizar a educação da familia. E que, já por muitas gerações, a sua família adotava os ensinamentos de um sábio chinês (cujo nome não me recordo) que, em síntese, dizia o seguinte; a vida é simples. Resume-se à derrota de quatro demônios. Quem conseguir exorcizá-los no transcurso da vida poderá ser considerado um ser humano integral. São eles a Ignorância, a Riqueza, o Poder e, por último, a Morte. E que essa exata ordem deve ser respeitada, mesmo porque, sempre, é nesta ordem que se apresentam.
Sinteticamente; a Ignorância, porque ser humano nenhum alcançará dignidade se tiver à sua frente esse verdadeiro muro, que impede a devida compreensão do significado da vida. Inclui-se neste título não só o estudo mas também a educação, os exemplos, que recebemos dos nossos pais. A Riqueza, e aqui está se referindo somente à riqueza material, porque ela deslumbra as pessoas leves, transformando-as em seres vazios, exibidos. O Poder, o mais perigoso dos quatro demônios. Tão importante que será tratado com mais detalhes a seguir. E o último, a Morte. Significa que, se tivermos vencido as três etapas anteriores, se tivermos subido quase todo o Everest da nossa vida só atingiremos o seu cume se estivermos, a qualquer momento, prontos. Prontos para morrer. E isso significa estarmos em paz com o mundo, com as pessoas, com a nossa consciência.
Contei no início, ouvi esta estória há muitos anos. Apesar de tanto escrever, nunca antes algo me inspirou a contá-la. Mas um dia destes assisti O Senhor dos Anéis, baseado no primeiro de três livros de S. R. Tolken. É interessante ver um filme depois de tanto ouvir falar dele através dos outros; a maior parte não gostou, se decepcionou, "esperava mais". Não gostaram porque não entenderam! O filme é profundo. A sua mensagem é sutil. Definitivamente não é um filme óbvio. É repleto de simbolismos que se apresentam através de mitos, na melhor escola Junguiana. E desta forma mostra, cuidadosamente, todos os pecados do bicho-homem. Se analisado superficialmente é mais um filme que polariza os bons, bonitos e limpinhos, contra os maus, horríveis e gosmentos. Mas, se analisado com os olhos que a estória merece, bem, descobrimos "outra" estória; a ancestral luta do homem pela conquista do maior dos troféus, O Poder. E aí, não por coincidência para quem escreve, o filme encontra-se com a estória do sábio chinês contada pelo Sr. Itiro. No Senhor dos Anéis, fadas, feitiços, e todas as figuras da riquíssima mitologia celta e nórdica nos contam "o que é" o Poder, sua força. Simbolicamente, ele foi incorporado em um anel, "que tinha vontade própria". Isto significa que ele mudava de mãos; à sua vontade. Quem tivesse este anel, teria o Poder. Aí, a primeira grande sacada; o Poder jamais terá um proprietário, no máximo, um possuidor. Um dia, ele irá embora...
No filme, percebam o que acontecia com as pessoas que, depois de possuí-lo, o perdiam. E tracemos paralelos; na vida real, a reação de quem provou (e perdeu) o Poder, é exatamente a mesma do filme; o desencanto, a melancolia, a frustração. Mesmo a morte, mesmo o acelerado envelhecimento físico, como em um personagem do filme (outra grande sacada). Possuir o Poder é quase viver em outra dimensão, em outro mundo, o que também está mostrado no filme; atenção para quando o menino coloca o anel no dedo.
Neste ponto, as duas estórias encontram-se novamente. A pergunta que surge; afinal, quem pode possuir o Poder? Quem pode vencê-lo. No filme, os puros de espírito, os idealistas. Na estória do sábio chinês, os que são humanísticamente maiores, mais fortes do que ele. As duas últimas perguntas, façamos a nós mesmos; quantas pessoas conhecemos que "perderam" para o Poder? E quantos, dele ganharam?
E.T.: E sobre o Sr. Itiro; no final, vim a saber, ele era o Presidente da empresa. Uma curiosidade interessante; não gostava de viajar de avião, só de automóvel. Aquele motorista que conheci, era seu grande parceiro. Nas inúmeras viagens que faziam juntos, iam cantando músicas sertanejas. Depois de um tempo, iam compondo. Até o dia em que formaram uma dupla, inclusive com discos gravados. Nome da dupla? Capital e Trabalho...... Grande figura o Sr. Itiro...
Benedicto Kubrusly Júnior
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