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Buena Vista Social Club

29 jan 2004 às 10:59

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Um filme, (ou melhor, um documentário), que foi lançado há uns três anos; Buena Vista Social Club. Sugiro; se voce não o assistiu no cinema, não o perca em vídeo; uma das obras mais originais já filmadas, desde que a 7ª arte foi inventada. Para quem assistiu-o, apenas a minha certeza de que é um daqueles filmes que poucas pessoas conseguirão deixar de ver de nôvo, e de nôvo...

A obra final, deixem-me contar-lhes já no início, é simplesmente arrebatadora; sutilmente vai envolvendo, bem devagarinho, num misto de sons, estórias e músicas que brotam do melhor que a alma humana é capaz de criar. Irresistível para quem possui no mínimo uma célula de paixão. Toca-nos, inicialmente, pela mais pura e louca perseverança de dois homens, Wim Wenders e Ry Corder, Diretor e Produtor deste filme que, um dia, sonharam um sonho impossível. E conseguiram realizá-lo; sonharam conseguir reunir os melhores músicos de Cuba que, num daqueles inexplicáveis espasmos da natureza, nasceram num mesmo país, numa mesma geração, e fizeram história; criaram ou interpretaram como ninguém mais antes ou depois deles, o melhor da música cubana. Isto tudo, acontecia todas as noites em um bar boêmio chamado Buena Vista Social Club, no final da década de 50. Repito, década de 50, portanto, há mais de 40 anos.

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Por favor, antes de continuar, procure transportar-se; "viaje no tempo" para Cuba, daqueles anos, o paraíso capitalista, seus cassinos, seus shows monumentais, seu desfile de rabos de peixe, era o quintal dos "yankes" milionários. Época em que dois jovens loucos e maltrapilhos refugiavam-se na Serra Maestra com um bando de outros maltrapilhos, de posse apenas de um sonho; derrubar o governo de Fulgêncio Batista e instituir um novo regime, "revolucionário". Hoje, aquele regime moderno transformou-se em referência utópica e carcomida. Daqueles jovens, um é parte de uma história distante e o outro, bem, o outro é tratado pelo mundo com o respeito que se trata um bom velhinho, jurássico e de modé.

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Imaginem então, hoje, passados 50 anos, os músicos, os artistas daqueles anos 50! Pois bem, diretor e produtor pesquisaram, fuçaram e encontraram o que procuravam. Este filme é a realização do sonho de Spielberg; encontrar dinossauros vivos nos dias de hoje. Este filme é a realização do Campo dos Sonhos; reunir os melhores, como se o tempo não existisse. É o ideal do box: a luta de Louis x Clay, Lyston x Tyson, Marciano x Sugar Ray. Mas sem ficção, em carne e osso.

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De situações e de lugares, os mais tristes e miseráveis de Cuba, brotam à vida o cantor, "que, por amargura, ficou sem cantar por mais de dez anos", que com mais de 90 anos "mantinha a voz de veludo de Nat King Cole". O pianista, considerado um dos três melhores pianistas do mundo no seu gênero que, com 85 anos, por desencanto ficou outros dez anos sem tocar dando a desculpa de que "não podia mais graças a artrose". A cantora, encontrada quase que numa favela. E outro, e outros, todos esquecidos, exilados ou auto-exilados, esperando apenas a morte chegar. Este filme é como se o socorro ao Titanic tivesse chegado a tempo. Só que na vida de verdade; náufragos da vida, resgatados e colocados como que em um delírio no templo sagrado, no Olimpo sonhado por todo artista; o Carnegie Hall, que aplaudiu-os de pé, sucessivas vezes, que num frenesi de emoção e de pedidos de bis teimava em não deixar
o sonho de um bando de velhinhos acabar.


Existiram momentos artísticos neste mundo de Deus que só quem teve a sorte de assistir ao vivo pode contar e este foi um deles. Por uma confluência de raros fatores uma apresentação, mesmo que depois muitas vezes repetida, tornar-se única e arrebatadora. Para citar apenas alguns; os tres tenores em Caracala, The Doors em Chicago, Jane Joplin e Jimmy Hendrix em Woodstock, The Police no Rio, Pink Floyd em Veneza e, há pouco tempo, Sófocles no Coliseum, enfim.

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Ao assistir este filme esqueça a fantastica e inteligente edição. Esqueça a fluição natural e bem concatenada do roteiro. Deixe-se simplesmente levar pela emoção que brota a cada quadro pois talvez, além de tudo, o que mais nos toca é perceber que no mundo de verdade, lá em uma ilha no meio do Caribe, aconteceu de verdade uma estória com happy end.


Mas como toda pedra verdadeiramente preciosa esta também guarda o segredo da decomposição da luz um pouco abaixo de suas facetas. Para captá-la temos que olhá-la com muita atenção. Desta forma, belas imagens e grandes verdades se revelam. Explico; felizmente este filme, certamente não por acaso, tem uma conotação totalmente apolítica. Mas apesar disto, algumas passagens nos trazem lições e reflexões de vida.

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Em uma delas, no depoimento do cantor de 90 anos ele diz que é feliz, que o cubano é feliz por que não se dobrou ao consumo, ao possuir. Contando a sua vida diz que ficou órfão de mãe aos doze anos, de pai já bem antes e que a vida era muito dura, muito mais dura do que nos dias de hoje. Atenção; "nos dias de hoje". Durante todo o filme, algo que permanentemente chama a atenção é o baixíssimo padrão de vida não só dele mas de todas as pessoas que aparecem; são paupérrimos, desdentados, mal-vestidos, abandonados, não só pelos seus mas também pelo Estado mas, note o detalhe; são felizes! Pode-se dizer então; é a esclerose de um velho.


Então, uma outra estória; o pianista de 85 anos, em um grande salão antigo e abandonado toca um piano velho, horroroso, desafinado, para um bando de crianças da faixa de uns seis a doze anos de idade. Neste salão elas treinam ginástica olímpica de solo, barras, cavalo com alça, esgrima, ballet,etc. Todas as crianças extremamente maltrapilhas, equipamentos em péssimo estado mas em todas, da pureza universal que só os olhos dos anjos possuem, brotava apenas uma coisa; felicidade, claramente estampada. Não quero aqui fazer um despropositado elogio à pobreza como fez um ministro, infelizmente do nosso Estado que, nela, encontrou lirismo e poesia.

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Quero dizer que este povo, o cubano é, no mínimo, diferente. Fazem quarenta anos, repito, quarenta anos que esta ilha, que só tem açúcar e charutos, está sendo asfixiada ou, desculpem, embargada. E não se dobra. Acho que nada no mundo deve irritar tanto os Estados Unidos quanto Cuba e, acreditem-me, quem escreve não é um anti-americano. Nada no mundo, com exceção de Cuba, resistiu ao "modelo capitalista" que, quando chega (e sempre vence), finca imediatamente as suas bandeiras. Apenas algumas; Mac Donald, o homem Marlboro, orelhas de Mickey, "sales". Nem a população da milenar cultura chinesa, nem a ainda traumatizada cultura japonesa, nem a "nunca invadida" Tailandia (será?), tampouco a Rússia, a orgulhosa França, as longínquas ilhas Seichelles, ninguém no mundo escapou desta invasão. Nem o Tibet! Pois bem, Cuba escapou (pelo menos até hoje). Povo altivo, orgulhoso, diferente, feliz! Para nós, "imperializados", esta felicidade soa estranho.


De forma alguma estou defendendo este ou aquele regime político pois, de lá, também milhares de pessoas lançam-se ao mar fugindo em busca de outra vida. Isto tudo é irrelevante para a pergunta que surgiu-me; afinal, o que traz a verdadeira felicidade? Certamente não é o dinheiro, os bens materiais, tampouco a segurança da proteção do Estado pois se assim fôsse, não encontraríamos em São Paulo, Paris, Nova York, Estocolmo, Curitiba, etc., tantas pessoas desencantadas, suicidas, melancólicas, crianças estressadas, esta então é uma barbaridade, mas verdadeira.

Há alguns anos atrás, em uma festa de final de ano na nossa empresa um tio meu contou uma fábula muito interessante; o peixinho, irriquieto e curioso com as dúvidas que assolavam o seu espírito, nadava e a todos os peixes mais velhos que encontrava fazia a mesma pergunta; afinal, onde seria possível encontrar a tal da felicidade? Um dia, cansado, sem ainda ter a resposta, depois de ter nadado pelos sete mares, encontrou um peixe velho e sábio e a ele fez a pergunta; o senhor, do alto de toda a sua vida e experiência sabe me dizer onde encontrar a felicidade? E , para o seu espanto e excitação o peixe velho disse; sim, eu sei onde está a felicidade: está na água......! É, está na água, está na água...


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