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A Virtude do "Não Sei"

18 ago 2004 às 11:00

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A Pessoa

Quieto, discreto e observador. Daquelas pessoas que, para expressar suas idéias, não precisa de muitas palavras. Na Roma antiga, esta forma de ser era tão valorizada que inventaram até uma palavra para defini-la; lacônico.
Tranqüilo, objetivo e pouco, digamos, político, nada preocupado em parecer ou não parecer aos outros, entendendo-se este fato não como um defeito ou uma qualidade, simplesmente, uma característica de personalidade. Lógico que o conjunto destes traços criou outra característica marcante; a sinceridade......

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Para a estória que vou lhes contar, importante dar estas cores iniciais sobre a maneira de ser do personagem principal, pois toda boa estória tem um ponto em comum; ela torna-se mais ou menos interessante na exata medida do carisma do seu personagem. E esta vale a pena não só por este motivo mas, principalmente pela moral da estória.

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O Local

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Corridas de automóveis, era uma das minhas grandes paixões. E Curitiba sempre teve pilotos que fizeram sucesso no exterior e isto, sempre, facilitava muito as coisas. Quando íamos assisti-las ao vivo, recebíamos credenciais que só não nos permitiam entrar nos carros de corrida. Dias antes já começávamos a viver o clima mais legal de uma corrida; a montagem dos carros, os treinos , as conversas no motor-home, etc... Uma delas foi em Miami, em uma circuito misto no centro da cidade e que é montado todos os anos para corridas de Fórmula Indy. Também, em outra data anual, para outro evento; corrida de esporte-protótipos, categoria GT, classe 6. E a tradução de toda esta nomenclatura significa, simplesmente; carros potentíssimos, motores com 12 cilindros. Estamos falando de 1000 hps. Ainda, os carros que possuem a aerodinâmica mais perfeita pois são totalmente carenados. É tamanha velocidade, aceleração e estabilidade que comparação mais próxima que podemos fazer é com autoramas. Só que em escala 1:1 !


O Ambiente

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Mas não se tratava de mais uma simples etapa da categoria; ali ocorreu a confluência de alguns fatores que a transformava num evento de rara, realmente rara expectativa; o campeonato europeu de protótipos havia terminado há poucos meses e foi decidido, digamos, cabeça a cabeça. E por carros da mesma equipe.
E pela primeira vez, após aquele campeonato, os carros campeões voltavam às pistas. Também pela primeira vez, em solo norte-americano. E o mais importante; naquele último campeonato europeu havia sido quebrada a hegemonia ininterrupta de muitos anos de uma marca; da Porsche. Bem, estamos falando dos fantásticos Jaguars daquele ano e do piloto, campeão mundial e pela primeira vez um brasileiro, falamos de Raul Boesel. Ele é o personagem da estória que conto a seguir, que aconteceu num final de tarde, numa conversa entre amigos, no motor-home da equipe Jaguar.


A Estória

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Estávamos num grupo de umas oito pessoas, na sua maioria de Curitiba e alguns do R.J. O Raul, ainda de macacão, naquela tranqüilidade de quem havia cumprido com competência o seu trabalho daquele dia, respondia sobre a facilidade que teve em se adaptar ao circuito pois, por correr também na Indy, já o conhecia muito bem. Neste momento, fiz-lhe uma pergunta; naquele circuito, que era misto, qual carro faria o melhor tempo, um Indy ou um Fórmula 1? Obs: esta era uma época em que esta dúvida ainda existia, de qual carro, em iguais condições, seria o mais rápido. Também, aquele era o piloto certo a responder pois uma das suas virtudes mais respeitadas sempre foi a sua capacidade de adaptação em todo tipo de carro de corrida. Ele já havia passado pela Fórmula 1, estava na Indy e, naquele momento, na categoria Protótipos. O Raul recostou-se na cadeira, cruzou os braços, pensou, e com a maior segurança respondeu, pausada e calmamente, simplesmente o seguinte; "Não sei...".


Moral da Estória

Vivemos no mundo do "Politicamente Correto" que nada mais é do que um monte de regras, nunca escritas, que servem simplesmente para nos delimitar(e nos enquadrar) socialmente no sentido de não sermos considerados "inadequados" em um mundo, afinal, "tão adequado". E neste invisível código de conduta existe uma regra que diz; nunca diga " não sei "; enrole, chute, mas, não diga, não sei. Obs.; em inglês, nem tudo que começa com " well" é enrolação mas, todas as enrolações começam com well. Em português, somos mais criativos; é, " bem", " veja bem ", " a nível de". Um pouco como a fábula do rei nu; todo mundo percebe que aquilo é enrolação mas todo mundo faz de conta que não vê.
Agora, voltando ao " não sei" do Raul, ele não foi apenas "politicamente incorreto". Três outras razões valorizam muito mais esta estória; 1-por motivos óbvios de momento, de situação, etc., ele poderia ter se exibido mais do que um pavão. Não o fez, muito pelo contrário. 2-Por exigir conhecimento e experiências que ali, só ele tinha , qualquer que fosse a sua resposta, seria considerada lei, imediatamente. E não se privilegiou desta situação. 3- É muito mais difícil "ir contra" o politicamente correto do que acomapnhá-lo. Primeiro pelo susto. Depois por que os olhares, os movimentos de reação querem fazê-lo sentir-se tão desconfortável como uma foca no mato. Portanto, podemos concluir que, em maior ou menor grau, para ir contra um comportamento socialmente esperado é necessário que tenhamos outras virtudes, não apenas a sinceridade. Acho que estamos falando de uma mistura de humildade, de naturalidade, de segurança e de equilíbrio. E da força de personalidade. E de, chamemos, espírito irriquieto contra o " padrão " pré-estabelecido das coisas. E é este o espírito que muda o mundo. E o mais legal é que, pode não parecer imediatamente mas, no final desta estória, como disse o poeta,..... " isto vai acabar nos levando além". Ôbaaaaaa.....!


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