Bala na área

O ouro de Posseidon

24 ago 2004 às 11:00

Os ventos do Mar Egeu trouxeram Robert Scheidt de volta ao topo do pódio olímpico. Curiosamente, era dele a última conquista dourada do país, no longínquo 1996, já que os atletas brasileiros decepcionaram e passaram por Sydney sem conquistar nenhum título. E se encerrou a saga dos campeões em Atlanta, Scheidt pode ter dado início a de Atenas.

Nada mais merecido para alguém que se dedica tanto ao seu esporte, e com tal talento que pode ser comparado a alguns gênios quase imbatíveis. Invicto este ano, Scheidt já acumula sete títulos mundiais – são 110 conquistas diversas no total – e pode ser comparado a outros esportistas como Schumacher e Lance Armstrong. Mais com o último, pois os dois não dependem tanto da qualidade de seus equipamentos, muito nivelados em seus esportes.


Entre os atletas brasileiro, ele iguala a marca de dois títulos olímpicos de Ademar Ferreira da Silva, que triunfou no Salto Triplo e criou uma dinastia que dura até hoje, com Jadel Gregório – que mesmo sem ganhar medalha conseguiu um respeitável quinto lugar – passando por Nélson Prudêncio e João do Pulo.


Os dois grandes campeões são o retrato mais perfeito das contradições de um país sempre considerado de futuro. Um negro de nome brasileiríssimo e um loiro com nome estrangeiro, vindos de classes sociais diferentes e praticando esportes que com exigências econômicas muito diversas. Ademar, para iniciar no esporte, não precisou de mais do que um campinho de terra batida. Scheidt precisou de pelo menos um barco, algo inacessível a maioria da população. Mas ambos representaram, e muito bem, uma nação que coloca nos feitos esportivos um pouco das esperanças de um futuro melhor. Mas ambos venceram por seus méritos pessoais e não pela suposta organização do esporte no páis.


O outro lado


País de contrastes que também não sabe reconhecer e dar o devido valor a quem não conseguiu atingir a perfeição. De uma hora para outra ídolos são desprezados e deixam de ser grandes atletas. Scheidt mesmo sofreu um pouco isso. Desconhecido até se sagrar campeão olímpico; orgulho nacional quando tentava o bi na Austrália; atleta fracassado por conquistar "apenas" a medalha de prata; e novamente herói agora.


Não deve ser diferente com a pobre Daiane dos Santos. De uma hora para outra, em grande parte graças ao ufanismo medíocre da mídia, ela se tornou uma semi-deusa da ginástica – com méritos totais para isso – e passou a ser onipresente no noticiário pré-olímpico. Era uma favorita destacada ao ouro por seu histórico recente e se transformou na maior decepção olímpíca brasileira até aqui, ao conquistar o quinto lugar, melhor colocação de uma ginasta brasileira na história dos Jogos. Se ela fosse campeã olímpica seria a prova de que o país é maravilhoso, sem preconceitos raciais, a princesa de ébano, e coisas tais. Como ela não venceu – embora seja vitoriosa por estar entre as melhores do mundo – talvez ela volte apenas a ser uma pobre menina negra, que contou com a simpatia da elite branca por alguns efêmeros momentos.


Melhor possível


Adriana Behar e Shelda chegaram aonde podiam. Como as norte-americanas Walsh e May eram consideradas imbatíveis – e confirmaram isso na prática – a medalha de prata é uma grande conquista para as brasileiras, que repetem a mesma colocação de Sydney.


Mais do que o possível


Já a seleção feminina de futebol ultrapassou as expectativas e chegou à final olímpica, superando os dois quartos lugares obtidos nas últimas duas edições dos Jogos. E têm chances reais – o primeiro tempo da partida entre as duas equipes na fase classificatória provou isso – de derrotar as favoritas norte-americanas. Quem sabe não sai dos pés femininos o tão aguardado ouro olímpico do futebol brasileiro.


Seria curioso, pois ao contrário de seus consagrados, e muitas vezes milionários, colegas homens, as futebolistas brasileiras não contam com praticamente nenhum apoio, e ainda convivem com uma série de preconceitos.


Dois heróis olímpicos


De tudo que já aconteceu nos Jogos até agora, destaque especial para a saga dos tenistas chilenos Nicolas Massu e Fernando Gonzales. Primeiro, Gonzales venceu o norte-americano Taylor Dent, na disputa pelo bronze, em três horas e 25 minutos de jogo – duas horas apenas para definir o terceiro set, pelo placar de 16 a 14. Algumas horas depois, ao lado de Massu, ganhou o ouro olímpico nas duplas, vencendo os alemães Nicolas Kiefer e Rainer Schuttler numa disputa de 3 horas e 49 minutos. No dia seguinte foi a vez de Massu mostrar folêgo e garra de sobra para derrotar outro norte-americano, Mardy Fish, na final de simples, em mais quatro horas de jogo.


Nota 10


Para os tenistas chilenos, para as futebolistas brasileiras e para as duplas Adriana Behar/ Shelda, Ricardo/Emenuel, pelas duas finais olímpicas. Para Robert Scheidt, nota 11.


Nota 0

Para a CBF, que apesar de não ser capaz de organizar uma competição decente de futebol feminino no Brasil, irá colher os frutos de uma campanha vitoriosa para a qual pouco contribuiu.


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