Dez personagens, uma cidade que amanhece, um dia a percorrer, nenhum diálogo.
Havana. Um espaço, uma sonoridade, uma luz. Mas não apenas. Gente. Uma gente que se movimenta em casa, em trênsito, no trabalho. Nenhuma palavra. Muita musica, ruídos, sons da sinfonia urbana. Nada supérfluo. Nenhuma entrevista. Nenhuma ficção. E, no entanto, biografias.
Documentário? Pode ser. Mas também não é bem isso. Talvez a tão ansiada comunhão de gêneros, o tal docudrama. É possível. ''Suíte Habana'', primeiro longa latino do Festival de Gramado, é no mínimo sublime.
Os dez personagens têm nomes e idades; são seres representativos de segmentos sociais que se movimentam pelas ruas ou que se encontram dentro de suas casas. Pessoas que aos poucos vão se revelando ao espectador, ganhando mais e mais vida, recortes mais precisos, minúcias.
Da superficialidade inicial meramente descritiva, aos poucos se entra na vida e afinal na alma de cada um, os retratos se definem, o que até então aparecia meio desfocado enfim se revela com nitidez. ''Suíte Habana'' tem o mágico poder de transformar uma dezena de ordinários habaneros em seres transcendentes. Em humanidade. Abrigada por uma cidade-cúmplice.
O diretor Fernando Pérez obtém com sensibilidade única aquilo que no fundo é o sonho de quem faz cinema: a emoção sincera pela orquestração de imagens, sem artifícios que interfiram no processo.
Como a palavra falada, por exemplo. Os personagens se auto-definem, suas atitudes, seus gestos, suas expressões, tudo está ali para que a explicação oral seja desnecessária, e como consequência redundante. E também a cidade aparece, se abre, se mostra.
''Suíte Habana'' é um filme dolente, melancólico, belo e grave em sua maneira compassada de recolher os sonhos de quem ainda pode tê-los. Ou acha que pode. Ou lamentar o tempo perdido de quem não pode mais sonhá-los. ''Suíte Habana'' é mesmo um poema que quase não cabe em si de tão silenciosa eloquência.
E é também um petardo político de extrema sutileza endereçado ao coração do regime do velho comandante. O que se poderia desejar mais de um filme, assim tão delicadamente arrebatador?
Na sequência, o longa brasileiro ''Araguaya - Conspiração do Silêncio''. Neste segundo nacional de diretor estreante, o jornalista Ronaldo Duque partiu para resgatar um dos episódios mais controvertidos da chamada ''guerra suja'' no período da ditadura militar, final dos anos 1960, início dos 70.
O argumento centra sua narrativa na ação armada de jovens guerrilheiros da esquerda militante e clandestina contra os órgãos da inteligência e do exército brasileiros. O local são as selvas do Araguaya, escolhidas como palco de preparação tática.
O resultado é um estranho híbrido de aventuras nas selvas, agregando combates e clichês do gênero a uma espécie de sessão nostalgia, da série como-era-gostosa-a-minha-guerrilha-mas-que-pena-que-não-deu-certo. O filme promove o barateamento de qualquer intenção mais edificante, minada pelo maniqueísmo caricatural envolvendo personagens e situações.
Abrindo o segmento das homenagens, a primeira grande festa foi para Lima Duarte, aliás Ariclenes Venâncio Martins. Mineiro de Sacramento, 74 anos, consagrado por uma galeria de exuberantes personagens no cinema, teatro e televisão, o ator foi recebido pelo público com longa e carinhosa ovação.
Nos agradecimentos pelo Troféu Oscarito, que todos os anos distingue uma personalidade ligada ao cinema, ele contou alguns ''causos'' saborosos, os mesmos que o teriam influenciado ainda na infância a seguir a carreira artística.