Apto para todos os paladares, ''O Terminal'' foi o prato de resistência do menu inaugural da 61ª Mostra Internazionale d'Arte Cinematográfica de Veneza. Logo após a exibição para a imprensa, Steven Spielberg e Tom Hanks fizeram as honras do filme na entrevista coletiva.
Este selecionado ''hors concours'' é parte da ambiciosa estratégia do diretor Marco Muller para que o festival se reinvente a si mesmo. Isto é, combinar filmes - autorais ou não - e glamour, embora esta combinação não admita grandes variações.
O melhor da história consiste em dosar as proporções de cada coisa, e este é o desafio. ''O Terminal'', se nada acrescenta à evolução do cinema, pelo menos garante a circulação de ''caras'' como as de Spielberg e Hanks. Muller está absolutamente seguro de que este é o ingrediente que deixará o festival bem mais popular.
Naquela mesma linha ''menor'' que imprimiu a ''Prenda-me Se For Capaz'', Spielberg fez de ''O Terminal'' uma comédia agridoce, quase um melodrama.
Ou seria uma melofábula, aquilo que Frank Capra fazia como ninguém na remota primeira metade do século passado? O fato é que a história do homem sem pátria prisioneiro no aeroporto tinha todos os ingredientes para satisfazer primeiro ao próprio Spielberg, e por uma questão de persistente fidelidade, aos milhões de seguidores de seu cinema sentimental sempre com aspirações maiores que a vida.
Por mais que subtemas, velhos ou novos, apareçam no cinema spielberguiano, há duas recorrências vitais. Podem não coexistir simultaneamente, mas pelo menos uma assina o ponto religiosamente.
No caso de ''The Terminal'', tudo se encaminha não para solucionar o problema do passageiro com a imigração, mas para que ele resolva de vez a relação com o pai, para que ele possa afinal voltar à pátria pacificada.
A figura do pai é forte e onipresente na filmografia de Spielberg, tão forte e determinante quanto a outra vertente: criança versus adulto, o menino tentando crescer, o Peter Pan tentando se libertar, o universo infantil que prende o personagem e impede seu crescimento como pessoa, o seu desligamento de vez para o mundo adulto.
No fundo ambas as idéias se completam. Como está absolutamente posto em ''Prenda-me Se For Capaz'', um compêndio de travessuras adultas do moleque Leonardo di Caprio esmagado pelo carinho do pai Christopher Walken.
Munição para a teoria: Tom Hanks, a esta altura quase um ator do repertório do diretor (''Soldado Ryan'', ''Prenda-me se For Capaz''), deve ter encantado Spielberg a partir de ''Quero Ser Grande''. Aqui, toda semelhança nem de longe é mera coincidência.
Durante a lotada, reverente, insossa e rápida coletiva, ator e diretor responderam em dueto as mesmas perguntas. Depois de relatarem as piores experiências que já tiveram em aeroportos, Spielberg confessou outra homenagem que pretendeu fazer em ''O Terminal'', desta vez a Jacques Tati, além da óbvia referência ao território habitado pela dramaturgia concebida por Frank Capra.
A melhor e mais espirituosa pergunta, se ele faria uma continuação de ''Soldado Ryan'' agora com o título de ''Saving Private Bush'', mereceu uma discreta evasiva. Mas Tom Hanks não deixou por menos e aplicou um ''I don't see Bush as a private''.
Na quarta-feira, 1º desetembro, o espaço do festival ainda recebia os últimos retoques, aqueles tradicionais arremates de última hora, fiação, pintura, instalações em geral.
A fachada do Palazzo Del Cinema, na sempre bela avenida Lungomare, virou uma espécie de imponente Simba Safári: uma enorme coleção de grandes leões dourados, um para cada ano do festival, com data, título do filme e nome do diretor. A mostra deve esquentar de fato a partir de quinta-feira, já com os primeiros concorrentes e com maior fluxo de celebridades