Quanta diferença entre os públicos que freqüentam festivais de cinema Brasil afora. Quando esteve no Festival de Cinema de Brasília, o ator Rodrigo Santoro foi vaiado pelo público presente antes mesmo de poder anunciar a exibição do filme "Bicho de Sete Cabeças", no qual atuou como protagonista. O público politizado e fervoroso de Brasília recebia com maus olhos a visita de um jovem galã da Rede Globo em seu festival. No entanto, os brasilienses voltaram atrás. Após assistir ao filme, tiveram que dar o braço a torcer. Santoro se saiu muito bem no papel de Neto, personagem que é internado pelo pai em um manicômio após ser flagrado com um cigarro de maconha no bolso do casaco. Muitos dos que vaiaram lhe pediram desculpas nos corredores do festival.
Já em Curitiba, durante o 5º Festival de Cinema, Vídeo e DCine, a multidão que se aglomerou no Canal da Música para conferir a primeira exibição do filme estava tomado por garotinhas cheirosas e empetecadas - muitas delas munidas de câmeras fotográficas e cadernos de autógrafos. Assim como em Brasília, Santoro e a equipe de produção do filme estiveram presentes no local. "A tietagem vai correr solta", imaginaram os freqüentadores "comuns" do Festival. Mas as garotas até que se comportaram. Quando chamado ao palco, Santoro foi tão aplaudido quanto a diretora Laís Bodansky ou o ator Marcos Cesano (que interpretou um dos internos de um manicômio). O mais incrível: não se escutaram gritos histéricos.
Após a exibição, aconteceu um debate sobre o filme em outro auditório, contando com a presença do ator e da equipe de produção. Austregésilo Carrano, o escritor curitibano de "Canto dos Malditos" (livro em que foi baseado o filme) não pôde estar presente. Por coincidência, na véspera (18 de maio) foi o Dia Internacional da Luta Antimanicomial. Carrano estava em Fortaleza exibindo o filme e promovendo debates sobre o assunto. Após o debate, as fãs do ator partiram para o ataque, subindo ao palco e sufocando-o com autógrafos e disparos de flash. Confira a entrevista cedida por Rodrigo Santoro:
As cenas de maior impacto em "Bicho de Sete Cabeças", provavelmente, são as tomadas dentro dos manicômios. Como foi o contato com este universo e o processo de preparação do personagem?
Fora os ensaios e trabalhos corporais, eu realizei pesquisas de campo. Visitei manicômios no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde tive contato com enfermeiros e, principalmente, com pacientes. Eu sentia como se eles vivessem numa redoma, com sofrimento, com agonia. Cada um carregando sua sua história particular. Eu contei também com o trabalho jornalístico e de pesquisa que a Laís fez sobre a situação destas instituições nos últimos dois anos. Tive contato com este universo que eu desconhecia. O processo de preparação para a filmagem foi uma experiência muito intensa. Talvez uma das sensações mais fortes que eu tive como ator. Passava o dia todo dedicado, pensando no tema. Eu sonhava e acordava com aquilo. E o que é tratado no filme está muito próximo da realidade mesmo. Quase um documentário. Eu, inclusive, li o livro do Carrano e cheguei a gravar minha própria voz durante a leitura do episódio do eletrochoque. É um trecho bem emocionante do livro. Sem contar que esta cena do filme foi uma das mais difíceis de se filmar.
Por falar nesta cena, há nela algo de estranho: quando o personagem Neto recebe a descarga elétrica, os médicos o seguram com firmeza no leito. Como é que eles não recebem a corrente elétrica, estando em contato com o paciente?
Eu tive uma aula prática sobre isso. A corrente, na verdade se chama amperagem. Ela passa pela têmpora do paciente. Não tem a mesma intensidade da descarga no corpo inteiro. Ela fica concentrada na cabeça. Os enfermeiros seguram o paciente pelos membros e tronco. Na verdade, eles também recebem um choque, porém em menor intensidade.
No filme, o conflito de gerações é tão chamativo quanto a questão manicomial. Você já passou por problemas de diálogo em casa semelhantes aos do personagem?
O meu pai é completamente diferente do personagem de Walmor Chagas. Eu sempre tive muita conversa e esclarecimento dentro de casa. Viver com falta de diálogo, como no filme, foi outro desafio para mim. Dá pra ver que o personagem Neto não tinha nada a ver comigo. Ele foi 100% criado. Mas voltando à questão de pais e filhos, acho que a minha criação me ajudou muito a escolher as coisas que eu julgava certas, e não o que era imposto pelo pai ou pela mãe. O pai quando toma uma atitude impositora, acha que ele está fazendo bem para o filho, passando para ele seus valores, seus conselhos. Numa fase da vida como a do personagem, é muito fácil haver um conflito de gerações. O filho acha o pai um saco, enquanto o pai não entende o filho porque ele começa a ter vontade própria. Acho que caberia, principalmente aos pais, que já foram adolescentes um dia, estarem mais abertos e procurarem ajudar seus filhos. Com um pouco de amor e diálogo se resolve a situação, sem precisar tomar uma atitude drástica, como aconteceu no filme.
Você é mais conhecido por trabalhar em televisão. O "Bicho" foi sua estréia no cinema. Quais as diferenças mais notáveis entre atuar para cinema e para TV?
Existe muita, mas muita diferença mesmo entre o trabalho de ator para cinema e TV. E esta diferença eu comecei a sentir há pouco tempo, a partir do ano passado, em razão dos meus primeiros trabalhos para cinema. Uma diferença básica é a forma de se trabalhar a estrutura do roteiro. Em televisão, numa novela por exemplo, você tem seis, oito meses para contar uma história e procura transmitir as informações do roteiro devagar. Num filme você passaria as mesmas informações em um olhar, em um segundo. Então o tempo já corresponde a uma diferença gritante. A maneira de moldar o personagem também é completamente diferente. Num filme você já chega com ele pronto, enquanto na televisão você vai conhecendo um pedacinho do personagem à medida que os episódios avançam. E não adianta o ator bolar um caráter muito fixo pro personagem. Vai que na semana que vem o autor escreve uma cena que você jamais imaginaria para o personagem. Fora isso, as filmagens no cinema são fora de ordem. Você pode começar filmando uma cena do final.
Após esta estréia, você tem recebido mais convites para filmes?
Sim, mas eu não posso julgar ainda porque estes filmes estão em fase de captação de recursos. Então não há nada confirmado ainda, mas pode ser que chegue uma resposta no segundo semestre.
Mas você já filmou seu segundo longa, "Abril Despedaçado".
Sim. Vai ser o próximo filme do diretor Walter Salles Jr. Nele eu fiz o papel de um matuto, outro trabalho para o qual eu me dediquei bastante. As filmagens já terminaram e eu não sei quando estréia. Talvez no segundo semestre.
E na TV e teatro?
Para teatro, existe um texto que eu e alguns atores estamos estudando para encenar no ano que vem. Já na TV, estou interpretando o personagem Carlos Charles na novela "Estrela Guia".
É possível ser um ator popular sem sofrer invasão de privacidade?
Acho que não. A popularidade está diretamente ligada à falta de privacidade. As pessoas sempre querem saber de pormenores da vida íntima de quem está na mídia. Se você souber como driblar isso, me diz como se faz (risos).
Eu nunca quero passar por isso.
Ninguém quer. Eu também não queria, mas aconteceu.
Já em Curitiba, durante o 5º Festival de Cinema, Vídeo e DCine, a multidão que se aglomerou no Canal da Música para conferir a primeira exibição do filme estava tomado por garotinhas cheirosas e empetecadas - muitas delas munidas de câmeras fotográficas e cadernos de autógrafos. Assim como em Brasília, Santoro e a equipe de produção do filme estiveram presentes no local. "A tietagem vai correr solta", imaginaram os freqüentadores "comuns" do Festival. Mas as garotas até que se comportaram. Quando chamado ao palco, Santoro foi tão aplaudido quanto a diretora Laís Bodansky ou o ator Marcos Cesano (que interpretou um dos internos de um manicômio). O mais incrível: não se escutaram gritos histéricos.
Após a exibição, aconteceu um debate sobre o filme em outro auditório, contando com a presença do ator e da equipe de produção. Austregésilo Carrano, o escritor curitibano de "Canto dos Malditos" (livro em que foi baseado o filme) não pôde estar presente. Por coincidência, na véspera (18 de maio) foi o Dia Internacional da Luta Antimanicomial. Carrano estava em Fortaleza exibindo o filme e promovendo debates sobre o assunto. Após o debate, as fãs do ator partiram para o ataque, subindo ao palco e sufocando-o com autógrafos e disparos de flash. Confira a entrevista cedida por Rodrigo Santoro:
As cenas de maior impacto em "Bicho de Sete Cabeças", provavelmente, são as tomadas dentro dos manicômios. Como foi o contato com este universo e o processo de preparação do personagem?
Fora os ensaios e trabalhos corporais, eu realizei pesquisas de campo. Visitei manicômios no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde tive contato com enfermeiros e, principalmente, com pacientes. Eu sentia como se eles vivessem numa redoma, com sofrimento, com agonia. Cada um carregando sua sua história particular. Eu contei também com o trabalho jornalístico e de pesquisa que a Laís fez sobre a situação destas instituições nos últimos dois anos. Tive contato com este universo que eu desconhecia. O processo de preparação para a filmagem foi uma experiência muito intensa. Talvez uma das sensações mais fortes que eu tive como ator. Passava o dia todo dedicado, pensando no tema. Eu sonhava e acordava com aquilo. E o que é tratado no filme está muito próximo da realidade mesmo. Quase um documentário. Eu, inclusive, li o livro do Carrano e cheguei a gravar minha própria voz durante a leitura do episódio do eletrochoque. É um trecho bem emocionante do livro. Sem contar que esta cena do filme foi uma das mais difíceis de se filmar.
Por falar nesta cena, há nela algo de estranho: quando o personagem Neto recebe a descarga elétrica, os médicos o seguram com firmeza no leito. Como é que eles não recebem a corrente elétrica, estando em contato com o paciente?
Eu tive uma aula prática sobre isso. A corrente, na verdade se chama amperagem. Ela passa pela têmpora do paciente. Não tem a mesma intensidade da descarga no corpo inteiro. Ela fica concentrada na cabeça. Os enfermeiros seguram o paciente pelos membros e tronco. Na verdade, eles também recebem um choque, porém em menor intensidade.
No filme, o conflito de gerações é tão chamativo quanto a questão manicomial. Você já passou por problemas de diálogo em casa semelhantes aos do personagem?
O meu pai é completamente diferente do personagem de Walmor Chagas. Eu sempre tive muita conversa e esclarecimento dentro de casa. Viver com falta de diálogo, como no filme, foi outro desafio para mim. Dá pra ver que o personagem Neto não tinha nada a ver comigo. Ele foi 100% criado. Mas voltando à questão de pais e filhos, acho que a minha criação me ajudou muito a escolher as coisas que eu julgava certas, e não o que era imposto pelo pai ou pela mãe. O pai quando toma uma atitude impositora, acha que ele está fazendo bem para o filho, passando para ele seus valores, seus conselhos. Numa fase da vida como a do personagem, é muito fácil haver um conflito de gerações. O filho acha o pai um saco, enquanto o pai não entende o filho porque ele começa a ter vontade própria. Acho que caberia, principalmente aos pais, que já foram adolescentes um dia, estarem mais abertos e procurarem ajudar seus filhos. Com um pouco de amor e diálogo se resolve a situação, sem precisar tomar uma atitude drástica, como aconteceu no filme.
Você é mais conhecido por trabalhar em televisão. O "Bicho" foi sua estréia no cinema. Quais as diferenças mais notáveis entre atuar para cinema e para TV?
Existe muita, mas muita diferença mesmo entre o trabalho de ator para cinema e TV. E esta diferença eu comecei a sentir há pouco tempo, a partir do ano passado, em razão dos meus primeiros trabalhos para cinema. Uma diferença básica é a forma de se trabalhar a estrutura do roteiro. Em televisão, numa novela por exemplo, você tem seis, oito meses para contar uma história e procura transmitir as informações do roteiro devagar. Num filme você passaria as mesmas informações em um olhar, em um segundo. Então o tempo já corresponde a uma diferença gritante. A maneira de moldar o personagem também é completamente diferente. Num filme você já chega com ele pronto, enquanto na televisão você vai conhecendo um pedacinho do personagem à medida que os episódios avançam. E não adianta o ator bolar um caráter muito fixo pro personagem. Vai que na semana que vem o autor escreve uma cena que você jamais imaginaria para o personagem. Fora isso, as filmagens no cinema são fora de ordem. Você pode começar filmando uma cena do final.
Após esta estréia, você tem recebido mais convites para filmes?
Sim, mas eu não posso julgar ainda porque estes filmes estão em fase de captação de recursos. Então não há nada confirmado ainda, mas pode ser que chegue uma resposta no segundo semestre.
Mas você já filmou seu segundo longa, "Abril Despedaçado".
Sim. Vai ser o próximo filme do diretor Walter Salles Jr. Nele eu fiz o papel de um matuto, outro trabalho para o qual eu me dediquei bastante. As filmagens já terminaram e eu não sei quando estréia. Talvez no segundo semestre.
E na TV e teatro?
Para teatro, existe um texto que eu e alguns atores estamos estudando para encenar no ano que vem. Já na TV, estou interpretando o personagem Carlos Charles na novela "Estrela Guia".
É possível ser um ator popular sem sofrer invasão de privacidade?
Acho que não. A popularidade está diretamente ligada à falta de privacidade. As pessoas sempre querem saber de pormenores da vida íntima de quem está na mídia. Se você souber como driblar isso, me diz como se faz (risos).
Eu nunca quero passar por isso.
Ninguém quer. Eu também não queria, mas aconteceu.