De Londrina
Especial para a Folha 2
Consultados os títulos que concorreram nos primeiros anos de Cannes, na segunda metade da década de 1940, é possível encontrar dois precedentes. E respeitáveis, à tiracolo a assinatura Disney já sinônimo de sofisticação artística. Em 47, o desajeitado elefantinho ‘Dumbo’ dividiu com Bergman, Elia Kazan, Alberto Lattuada, René Clement, Vincente Minelli e Jacques Becker, entre outros grandes, as atenções do júri. E em 53, com inegáveis méritos, ‘Peter Pan’ desperta a criança adormecida em cada membro da comissão de seleção, e o desenho animado ganha espaço entre obras ilustres de Luis Buñuel, Vittorio De Sica, Jacques Tati, John Ford e até do nosso Lima Barreto e ‘O Cangaceiro’, afinal premiado como ‘melhor filme de aventuras’.
Agora, já se passaram 48 anos desde que o garoto que se recusava a crescer levou pelos ares Wendy Darling e os irmãos para emocionantes aventuras na Terra do Nunca. Neste quase meio século, Cannes cresceu e se sofisticou, Disney morreu deixando herança imortal, a animação conheceu a revolução computadorizada. E é justamente esta conquista de ponta do gênero que vai desembarcar daqui a dez dias na Riviera Francesa para tentar sensibilizar a mídia, garantindo (ou não) o benefício da ressonância favorável pelos quatro cantos do planeta.
O filme chama-se ‘Shrek’, e o curioso é que de certa forma o fantasma de Walt Disney ronda a produção. A grife é a Dreamworks Pictures, e um dos três
sócios-fundadores, Jerry Katzenberg, é ex-Disney Pictures, de onde saiu brigado mas levando mais de US$ 250 milhões como indenização – ele alegou ‘lucros negados’ em diversas produções, entrou na justiça e ganhou. Como herança dos dias de ira, o executivo entrou em cerrada disputa pelo mercado com sua ex-empresa. E ‘Shrek’, segundo se informa, satiriza Disney com estilo sempre que tem oportunidade, incluindo no argumento locais e personagens muito conhecidos.
Na tradição ‘Era uma vez’, e baseado no livro infantil ‘Shrek !’ , o filme de 79 minutos trata de um cínico e absurdo bicho-papão chamado Shrek (voz de Mike Myers), que vivia num pântano inflacionado por habituais e irritantes criaturas de contos de fada. Com o intuito de salvar seu lar, ele sai para tomar lições com Lord Farquaad (John Lithgow), que baniu de seu território todos os seres de contos de fadas considerados ‘desajustados’. No caminho, Shrek se torna amigo de um asno gozador (Eddie Murphy), se vê às voltas com uma bruxa (Linda Hunt), com um ‘dragão-que-respira-fogo’ e acaba salvando uma bela princesa (Cameron Diaz) que carrega um terrível segredo. Tudo, como vê, nos moldes tradicionais dos contos de fadas. Ao final desta comédia irreverente, realizada pela mesma equipe técnica de ‘FormiguinhaZ’ (estúdio PDI), Shrek aprende a amar e ser amado.
No extremo oposto de ‘Peter Pan’, inteiramente desenhado com a técnica tridimensional, ‘Shrek’ é cem por cento computadorizado. A direção é dos estreantes Victoria Jenson e Andrew Adamson, com roteiro do pessoal de ‘O Caminho do Eldorado’.