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Almodóvar abre Cannes, mas não entusiasma

Carlos Eduardo Lourenço Jorge
13 mai 2004 às 10:29

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Pedro Almodóvar ao ser indagado se a história seria autobiográfica: ‘‘Meu filme não contém anedotas de minha própria vida’’ - Divulgação
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No Último minuto os trabalhadores temporários em espetáculos artísticos, ou intermitentes, como são chamados aqui, fecharam um acordo com a direção do Festival de Cannes e autoridades do governo, e não inviabilizaram o evento, como tinham ameaçado.

Até o final da fria e chuvosa tarde de ontem, atípica para a primavera mediterrânea, a programação de abertura foi cumprida normalmente, sem nenhuma interferência. Mas por precaução, algumas centenas de policiais faziam a vigilância não muito discreta nas imediações do Palais.

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A idéia é evitar, a qualquer custo, que os manifestantes interfiram na ''montée de marches'' (a badalada subida da escadaria) ou tenham acesso às galas que acontecem todas as noites no auditório do Grand Théatre Lumière.

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Honraria igual a Espanha nunca teve. Pela primeira vez na história do festival coube a um filme do país vizinho abrir a mais significativa mostra cinematográfica do planeta, embora os espanhóis não dediquem ao cinema de Pedro Almodóvar a mesma devoção demonstrada por franceses em particular e europeus em geral.

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Seu filme mais recente e de gestação mais longa, o semi-autobiográfico ''La Mala Educación'', abriu fora de competição o 57º Festival de Cannes na quarta-feira, 12 de maio.


Precedido por certa aura de escândalo em função da temática a pedofilia na Igreja Católica, através da iniciação sexual de dois alunos em colégio de padres, anos 1960 , o filme entretanto não se limita a isso e avança sob a forma de vertiginoso labirinto em busca dos vários temas que foram recorrentes ao longo da carreira de 14 longas metragens do diretor: referências à cultura pop, declarações de amor ao cinema, trocas de identidades (sexuais ou não), intercorrência entre ficção e realidade, transexualidade, paixão e liberdade.

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Habitado exclusivamente por homens, padres e travestis, não é nem de longe um filme masculino mas é de longe o filme mais gay de Almodóvar, embora seja o menos gay (alegre ou divertido, em tradução literal).
Em termos de trama, é seu trabalho mais ambicioso, com três linhas narrativas correndo paralelas e afinal se projetando umas nas outras.


Embora habilidoso como sempre, o diretor dá um passo atrás em relação a seus dois últimos filmes, ''Tudo Sobre Minha Mãe'' e ''Fale com Ela'', em que a presença do humor como tempero do melodrama era importante na balança da dramaturgia.

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Aqui, o argumento parece ambicionar em demasia o tributo ao filme noir, se esquecendo daquela oblíqua ''hispanidad'' que se explicitava na irônica construção dos personagens.


Assim, ''La Mala Educación'', de certa forma, acaba perdendo de vista o alvo principal, exatamente o desvio de conduta moral da Igreja Católica, ao abrir excessivamente seu leque de opções. É como se o cineasta promovesse diversas alterações no sistema viário, algumas arbitrárias, congestionando o trânsito com ''direção perigosa'' e obrigando o espectador a manobrar com ''direção defensiva''.

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A sorte é que este engenheiro de tráfego conhece como poucos a sinalização cinematográfica, levando a bom termo uma corrida que, às vezes, parecer querer terminar em transversais sem saída.


E na coletiva a seguir só deu ele, o manchego (de La Mancha) don Pedro Almodóvar, embora cercado de boa parte de seu elenco principal. Sobre se sua história era autobiográfica, saiu-se com a alternativa elegante: ''Meu filme não contém anedotas de minha própria vida''.

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Já em relação à Igreja, foi menos obliquo: ''Não creio que é um filme anticlerical. A Igreja se degrada a si mesma todos os dias, é só ler os jornais. Na Espanha, seu pior inimigo é ela mesma''. Curiosamente, porém, é atraído pela liturgia católica algum variante excêntrica de fetichismo? e se confessa ''fascinado pela decoração, santos, virgens. Por isso creio nas cerimônias, mas não em Deus. Decidi que a vida é Deus, sim, o ato de viver é Deus''.


Quanto ao ''film noir'', influência bastante visível em ''La Mala Educación'' em termos de construção de melodrama, Almodóvar tem uma definição: ''É o gênero que melhor sabe converter em espetáculo o pior da natureza humana, e isso me atrai muito''.

Alguém pergunta se este é seu filme mais maduro: ''Se for não há nada que eu possa fazer. O que sei é que 'La Mala Educación' não seria possível sem meus 14 filmes anteriores''. E o próximo projeto? Não é mais um projeto, já existe um roteiro quase pronto. O título: ''Tarântula''. O tema? Os olhos de Almodóvar brilham de paixão por sua nova trama, venenosa como todas as outras: ''É a história de uma freira de 80 anos, que vamos conhecer também quando era uma jovem de 23. Terá mudanças de idade, de humor, de sexo...''


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