Estreias

Um filme pra lá de simpático

01 abr 2001 às 17:22
Mais um diretor de teatro inglês tem uma estréia memorável no mundo da 7ª arte. "Billy Elliot" é um filme emocionante sobre um garoto que supera obstáculos para tentar atingir seus objetivos na vida. Soa como um punhado de clichês, não é? Pois o diretor Stephen Daldry e a roteirista Lee Hall evitam a todo custo o lugar comun para criar uma obra de arte bem sucedida e repleta de personagens inesquecíveis.
O ano é 1984. Billy Elliot, um menino de 11 anos de idade, vive no nordeste da Inglaterra, região marcada pela miséria que levou à greve dos mineiros. Situação essa que trouxe a destruição e a discórdia entre as famílias da vila. O pai, que recentemente ficou viúvo, e o irmão "cabeça-quente", ambos mineiros grevistas, encorajam Billy a seguir a tradição da família nos ringues de boxe. Mas o garoto está mais interessado nas aulas de balé da Senhora Wilkinson e não demora muito para Billy trocar as luvas vermelhas pelas sapatilhas cor-de-rosa. Claro, ele não ousa deixar a família saber disso.
O excelente roteiro, que não deve ser confundido como uma simples versão masculina de "Flashdance", vai além da superfície para examinar os sentimentos e as motivações das personagens. O único problema nesta história é a sua previsibilidade. Todo mundo sabe que o pai, mais cedo ou mais tarde, descobrirá que o filho anda usando malha colada nas pernas e dando piruetas junto a um bando de meninas. E é lógico que Billy vai lutar contra a insensibilidade do pai machão para continuar dançando.
Apesar da obviedade deste enredo, "Billy Elliot" tem muita coisa boa a oferecer. Além das ótimas cenas de dança, a produção ainda reserva ao público um drama familiar, que ganha credibilidade em performances firmes, consistentes e comoventes. Julie Walters (de "O Despertar de Rita") foi merecidamente indicada ao Globo de Ouro e ao Oscar 2001 de melhor atriz coadjuvante por sua bela interpretação da professora de balé que não desiste do seu aluno Billy Elliot, nem nos momentos mais difíceis. Gary Lewis (de "Meu Nome é Joe") surpreende com uma atuação honesta e convincente no papel do pai de Billy. No filme, Lewis demonstra muito mais com um simples olhar do que a maioria do elenco usando o corpo todo.
O novato Jamie Bell, que na época da gravação do filme estava com 12 anos de idade, é tão talentoso quanto o personagem Billy Elliot, que ele interpretou com tanta dedicação e sentimento. Além de excelente ator, Bell dança muito bem. Ele, diferente de outro ator-mirim indicado ao Globo de Ouro e ao Oscar de melhor ator coadjuvante por seu trabalho em "O Sexto Sentido", Haley Joel Osment, acabou não tendo o mesmo reconhecimento por parte dos jurados das duas premiações. O jovem ator tem capacidade mais que suficiente para trilhar a mesma carreira de sucesso, seja no cinema britânico ou em Hollywood.
Mais irritante ainda do que a não-indicação de Jamie Bell é a ausência do título "Billy Elliot" entre os cinco nomeados ao Oscar 2001 de melhor filme. Concorrendo em apenas três categorias - melhor diretor, melhor atriz coadjuvante e melhor roteiro original -, este ano, "Billy Elliot" é o filme mais injustiçado da noite de entrega das estatuetas douradas. Perdendo a vaga para o água-com-açúcar "Chocolate", o dramalhão comercial hollywoodiano "Gladiador", o Pokémon chinês "O Tigre e O Dragão" e para as superproduções com ar de docufilme "Erin Brockovich" e "Traffic", ambas do badalado diretor Steven Soderbergh.
Injustiças de lado, esta típica produção inglesa, uma verdadeira pintura de uma época com personagens que são belos em suas próprias imperfeições, dá uma lição de arte, ensinando Hollywood que uma boa direção, um roteiro simples e um elenco disposto a trabalhar podem render um entretenimento de primeira. O espectador que se divertiu, mas não economizou lenços de papel ao assistir "Sociedade dos Poetas Mortos" e "Gente como a Gente", não pode perder este filme.

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