Estreias

Um filme lento, mas competente

12 fev 2001 às 17:22
Depois do sucesso de "O Sexto Sentido", M. Night Shyamalan poderia ter feito o filme que quisesse. Quando um diretor cria um filme que se torna tão popular, ele ganha carta branca de Hollywood para escolher o projeto que mais lhe agradar. Certamente, Shyamalan poderia ter conseguido o orçamento que requisitasse para realizar um verdadeiro "arrasa bilheterias".
Ao invés disso, ele optou por fazer mais um pequeno grande filme, novamente dando maior valor ao roteiro do que se preocupando com efeitos especiais caríssimos. Mais uma vez, o produto final é um misto de suspense e dramas pessoais com um final surpreendente. Era de se esperar também que o diretor tentasse repetir a dose e "Corpo Fechado" realmente traz de volta a atmosfera sombria e escura que consagrou seu criador no trabalho anterior. A diferença revela-se em um enredo mais aprofundado e em um ritmo muito mais lento.
Bruce Willis, que interpretou o simpático psiquiatra infantil em "O Sexto Sentido", vive desta vez o guarda de segurança David Dunn, que escapa de um trágico acidente de trem. O inacreditável é que de 132 passageiros o único sobrevivente foi ele e, com um detalhe intrigante, Dunn não sofreu um arranhão sequer. Apesar de saudável e sortudo, o personagem de Willis possui uma profunda tristeza, o que o espectador reconhece nos olhos, nas expressões faciais e no tom de voz do ator. Uma atuação honesta e digna de respeito que só beneficia a carreira de Willis, mostrando que não é tarde demais para expor todo o seu potencial.
Com um estilo completamente diferente de atuação, marca presença Samuel L. Jackson (de "Regras do Jogo"), sempre ótimo e com um visual esquisito, na pele de Elijah Price, um homem que nasceu com uma doença rara e que se fratura com uma facilidade tremenda, como o vidro. Sem poder sair de casa, ele acaba encontrando refúgio nos gibis de histórias em quadrinhos.
Opostos, mas ligados por uma força maior, Dunn e Price unem-se para tentar descobrir aquilo que mais aflige as pessoas, ou seja, saber qual é sua função no mundo. Shyamalan, que, além de dirigir, também escreveu o roteiro do filme, lida com a questão mais antiga e perturbadora sobre a dúvida existencial: por que existimos e qual é o nosso propósito em vida? Por que alguns têm sorte e outros não?
O diretor recicla a eterna disputa do bem contra o mal, característica do universo dos quadrinhos, e surpreende o público ao permitir que seu filme tome rumos diversos, mas, assim como nos gibis, no final tudo se explica. Com este trabalho, o jovem diretor indiano prova que não é um mero prodígio do cinema. É admirável o modo como ele dá ritmo às suas criações, sem medo de gravar longas seqüências de diálogos, por exemplo. Ele sabe inventar personagens fortes e realísticos. Acima de tudo, Shyamalan conhece muito bem a arte de filmar. Em diversas ocasiões o espectador sente-se dentro do filme, em particular na cena do trem pouco antes do acidente acontecer.
O filme é bem sucedido em muitos aspectos e a direção de fotografia de Eduardo Serra é uma delas. Várias cenas de "Corpo Fechado" são simplesmente magníficas. A música de James Newton Howard e a direção de arte de Steve Arnold são detalhes a mais que enriquecem a produção ao aumentar o clima de tensão. Outro ponto positivo são os coadjuvantes. Robin Wright-Penn (de "Forrest Gump - O contador de Histórias"), esposa na vida real do ator Sean Penn, quer um marido que ela possa amar de novo. Enquanto seu filho, representado pelo ator-mirim Spencer Treat Clark (de "Gladiador"), deseja uma figura paterna na qual possa se espelhar.
Uma história interessante, bem escrita, com uma direção talentosa e performances competentes, mas que provavelmente não vai agradar a todos. No final, muitos vão achar que é menos do que se esperava, talvez por culpa do trailer que descreve um filme totalmente diferente do que se vê quando se senta na poltrona para assisti-lo. O trailer, composto basicamente pela primeira parte do filme, passa a errônea idéia de uma produção com bastante ação e mistério.
Assistir a "Corpo Fechado" é recomendável apenas para quem não é muito fã de filmes barulhentos e acelerados. O longa é o que se pode chamar de um entretenimento intelectual, que instiga o público a pensar - entretanto, se fosse esse o motivo que fizesse a maioria dos espectadores lotarem as salas de cinema, os irmãos Farrely ("Quem vai ficar com Mary?", "Debi & Lóide" e "Eu, Eu mesmo & Irene") não estariam ganhando tanto dinheiro

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