Estreias

Um filme demasiadamente humano

18 ago 2005 às 11:00

Não é um filme sertanejo. Essa é a primeira coisa que o espectador do longa-metragem ''2 Filhos de Francisco'' precisa saber antes de assistir ao filme. A segunda: não foi um trabalho encomendado. De posse dessas duas informações também é preciso despir-se de preconceitos e ir a sessão de mente e coração abertos.

Seguindo essas instruções, e sem fazer mais nenhum esforço, é bem possível que o espectador goste e muito do longa que conta a história da dupla Zezé de Camargo e Luciano. Mais que uma cinebiografia, o filme aborda a perseverança de uma família brasileira. E a luta pela sobrevivência, perseguindo sonhos que parecem impossíveis é tema universal, capaz de atingir todos os estilos.


O roteiro do filme começou a ser desenhado quando Zezé de Camargo comentou que sua história daria um filme. Roteiristas da Conspiração Filmes decidiram investigar e constataram que tinham em mãos um roteiro pronto.


O então diretor de fotografia Breno Silveira resolveu assumir a empreitada e deixar de lado outro roteiro do que seria seu primeiro longa. ''Eu costumo dizer que muitas histórias dão filmes, mas poucos dão filmes bons'', conta o diretor, em entrevista, por telefone, à Folha2. ''E entendi que a história dos dois dava um bom filme. A história é surreal'', complementa.


A primeira decisão foi deixar claro que ele utilizaria algumas licenças poéticas no roteiro cinematográfico, além de afastar qualquer possibilidade do excesso de exposição da dupla. ''Eu não queria que o trabalho se transformasse num clipe sertanejo. Eu queria fazer um filme humano e não queria errar'', revela.


Embora confesse que há quase pouco mais de dois anos, quando a empreitada começou, uma série de erros foram cometidos. ''Eu comecei a procurar atores em São Paulo, por exemplo, até perceber que precisava de pessoas que viviam aquele universo, da música de raíz'', lembra.


Foi quando o diretor partiu para Goiânia em busca de duplas sertanejas mirins para fazer o papel dos irmãos na infância. Até encontrar os surpreendentes Dablio Moreira (como Mirosmar, o Zezé) e Marcos Henrique (que faz o papel de Emival, que morreu tragicamente na vida real).


Mas ''2 Filhos de Francisco'' não traz à tona apenas os acontecimentos trágicos da família Camargo. As dificuldades financeiras, a mudança do interior para a cidade grande, a invalidez de um dos filhos, conseguem ser colocadas num outro plano quando ressaltadas a força de ''seo'' Francisco. Um homem que desde antes da mulher engravidar, já sonhava em ter filhos que fizessem parte de uma dupla musical. Que amava a música e que queria um futuro melhor para ''os meninos'', mesmo que isso custasse trocar o trabalho de toda uma safra na lavoura por instrumentos musicais.


Chamado de visionário e louco pelos vizinhos, Francisco lutou por melhorias também na região onde morava, no interior de Goiás. Construiu uma escola quando os filhos eram pequenos e já na cidade grande quando a Zezé de Camargo e Luciano gravaram a primeira música (''É o amor'') gastou todo o ordenado em fichas telefônicas para a rádio e fazer o pedido pra escutá-la.


''Tudo isso não foi inventado, aconteceu mesmo'', diz o diretor do filme. Apesar de ter tido o aval da família para finalizar o roteiro, Silveira revela que o roteiro esteve ''vivo'' durante as filmagens. ''A cada visita de algum membro da família ou a cada comentário das pessoas que tinham vivido aquelas situações, algo era acrescentado'', recorda.


O resultado é um filme que talvez escorregue um pouco no tempo (pouco mais de duas horas de duração), mas que mostra uma realidade vivida por milhares de brasileiros. Para conseguir isso, Silveira contou com um bom período de pesquisa, além de ter escolhido atores que dão força ainda maior aos personagens.


''Eu tinha uma encrenca nas mãos'', brinca Silveira, acrescentando: ''Eu estava falando de pessoas vivas e famosas, não podia fugir muito da característica física delas''. Francisco é interpretado por Ângelo Antonio e Dira Paes faz dona Helena. ''Além das características físicas, a personalidades deles são bem parecidas'', considera o diretor.

O filme teve orçamento de R$ 6,3 milhões e o lançamento nacional acontece com 280 cópias, uma boa média para o cinema brasileiro. Quando deu a entrevista para Folha, Silveira estava em Gramado, no Rio Grande do Sul, e o filme tinha acabado de ser exibido para o público do Festival de Cinema da cidade. ''Foi emocionante. Aconteceu o que eu queira que acontecesse em todas as sessões. As pessoas não tiveram preconceito para assistir ao filme e o viram como uma história brasileira que de tão regional chega a ser universal''.


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