Dias destes, respeitável crítico paulistano observava que tanto o novo quanto os demais Harry Potter se perdiam engolfados pela voracidade de um redemoinho de firulas visuais. Em outras palavras, a anestesiante estridência da forma (o chamado visual) liquidava qualquer veleidade no sentido de dotar de robustez psicológica o conteúdo ou núcleo (o chamado tema) - vale acrescentar: o retrato metafórico da geração Harry Potter e seu rito de passagem adolescência-idade adulta restariam prejudicados pela pirotecnia diversionista dos efeitos.
Santa ingenuidade. Exigir rigor e densidade de uma franquia como a de Potter seria o mesmo que imaginar hoje a classe política brasileira como uma legião de anjos celestiais, guardiões da honestidade e da honra. Este delírio se amolda com exatidão a este ''Transformers'' em lançamento nacional.
É pela própria natureza um espetáculo isento de recheio a não ser cor, barulho e movimento, e com um arcabouço que, de tão luxuoso, chega a ser quase obsceno - custou U$ 150 milhões na planilha de custos, aquela liberada para divulgação. Foi obviamente realizado para pronto descarte e com expressa destinação: crianças e adolescentes, alvos primários de um produto não por acaso lançado neste período de calendário escolar somente disciplinado pelo ócio abundante.
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Funciona mais ou menos como um desses menus infantis em lanchonete fast food de grife corporativa, com direito, além das fritas, a brindes impostos pelo marketing da ocasião. Mas o sabor de palha seca e sem tempero do hambúrguer é aquele de sempre, seja em Londrina ou em Cingapura.
Para quem não sabe, os ''Transformers'' do título nasceram no Japão nos anos 1970, foram adotados pelo olho financeiro sempre muito aberto da Marvel Comics e atendem por nomes que muito pai de família hoje quase quarentão não esquece: Autobots, do ''bem'', e Decepticons, os vilões. São seres-máquinas que se transformam em robôs sem que ninguém interfira, alienígenas vivos vindos do espaço.
Mas logo na sequência de abertura, com o ataque das gigantescas engenhocas num deserto árabe, fica claro que o espectador nostálgico atraído pelos velhos jogos ''transformers'' vai ficar de queixo caído (a expressão tem tudo a ver) com esta revisão trazida pelo milionário megarrealismo de inimagináveis efeitos especiais.
A platéia está diante da iminência do apocalipse, de uma guerra de proporções galácticas. É quando aparece em cena o anti-herói típico, o estudante Sam (Shia LaBeouf). Ele se aliará aos Autobots, enfrentará os Decepticons, demonstrará que é mais preparado para a luta do que as forças oficiais de segurança e naturalmente ficará com a garota mais bonita e popular do colégio (a robotizada Megan Fox).
Por trás deste filme descomunal estão o eterno crianção Steven Spielberg e o perito em publicidade Michael Bay, respectivamente produtor executivo e diretor, dupla das mais confiáveis quando se trata de promover na tela paquidérmicas vertigens audiovisuais. Bay, um dos mais coerentes e consequentes realizadores hollywoodianos na linha da adrenalínica e explosiva impessoalidade (''Armageddon'', ''A Rocha'', ''A Ilha'', ''Pearl Harbor''), sabe como conduzir um universo de apelos para a massa juvenil contemporânea.
Com um elenco habitado por inúmeros rostos conhecidos, ''Transformers'' é um primor em gratificação instantânea, com suas pitadas de erotismo incipiente à la Porky's, suas tiradas de humor de fórmula ''esperta'' como a de ''Homens de Negro'', suas provocações sentimentais na vertente ''E.T.'' e outras referências cinematográficas à escolha do olhar mais ou menos informado de quem assiste - a lista inclui ''Gremlins'', ''Curto-Circuito'' , ''Robocop'', os ''Sexta-Feira 13'' e outros tantos.
Um conselho-advertência: se você é cinéfilo exigente, feminista ou pertence à categoria crítica-politizada, pense em qualquer outra alternativa antes de ingressar neste mal disfarçado território sexista e reacionário. Na lista de atrações da sessão privê da Casa Branca, ''Transformers'' é com certeza o grande hit da temporada.