Entre vaias e aplausos distribuídos com igual parcimônia, ''As Torres Gêmeas'' passou por Veneza no dia 1º de setembro como um dos filmes-evento do festival, na honrosa categoria dos convidados especiais ''hors concours''. Além da natural amplitude de visibilidade que o evento fortemente mediático confere aos filmes selecionados, havia interesse ainda maior em torno da produção.
A assinatura tradicionalmente polêmica, politizada de Oliver Stone (''Platoon'', ''Wall Street'', ''Nascido em 4 de Julho'', ''Assassinos Por Natureza'',''JFK'', ''Nixon''), o tema literalmente explosivo, o iminente aniversário de cinco anos da tragédia, a presença em carne e osso dos sobreviventes reais retratados na tela e a primeira exibição do filme fora dos EUA eram apelos suficientes para elevar a expectativa em muitos graus.
E então veio a exibição, e em parte a frustração. Não que ''As Torres Gêmeas'' seja um filme ruim. No geral não é, e ser rigoroso em excesso diante dele é como chamar a Cruz Vermelha de instituição inútil.
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Mas sobre o atentado terrorista de cinco anos atrás, que matou quase 3 mil pessoas em Nova York nos prédios geminados do World Trade Center, o cineasta Oliver Stone optou por fazer um filme sem terrorismo, sem complô, sem ênfase, sem política - o espectador vê por um rápido momento o presidente Bush fazendo um pronunciamento televisivo à nação, mas é como se fosse um vaso ou um cinzeiro, um elemento neutro em cena. De Stone sempre se espera além do que se vê aqui. Além e melhor.
Inspirado num dos episódios reais mais divulgados pela abundante crônica que multiplicou boletins de tevê e tiragens de jornais, ''World Trade Center'' é filme patriótico, inspirado nos mitos do heroísmo americano: individualismo, altruísmo, defesa da própria família.
No decorrer de duas horas de projeção, o desastre parece uma catástrofe natural, um terremoto ou um tsunami. Nenhuma bandeira desfraldada, somente o heroísmo do homem comum. ''Não quis fazer política, mas tocar os corações, a política divide, o coração une'', defendeu-se o novo Stone durante a coletiva em Veneza, preferindo não se lembrar que, em outros tempos, tocava mentes também, além de corações, e então era um mestre.
Soterrados sob a tonelagem de escombros, dois homens, os policiais John McLoughlin (Nicolas Cage) e Will Gimeno (Michael Peña) restam inertes. Mesmo muito feridos e imobilizados, resistem. Com medo de morrer, resistem. Em boa parte o filme de Stone fala sobre isto, sobre a resistência, sobre o medo da morte e como enfrentá-lo, sobre desespero e esperança.
Há uma difusa visão celestial, o apego místico. Não há duvida: senhor de seu ofício, Stone sabe montar o melodrama e enxugá-lo na medida do possível, como por exemplo temperar elementos emocionais fortes - as sequências do local da tragédia alternadas com o solidário andamento das buscas e o reflexo do incerto desenlace nas respectivas famílias.
E há o ponto mais controvertido, aquilo que suscitou não exatamente polêmica, mas estupefação com o endosso de quem em outros tempos bateu com tanto vigor no governo Lyndon Johnson contra a guerra do Vietnam.
Real e ao mesmo tempo simbólico, um jovem, autoritário, quase santo ''marine'' salvador da pátria ultrajada irrompe em meio ao Ground Zero do WTC, emblematicamente excessivo. Os créditos finais informam que dali ele partiu para engrossar o contingente da invasão do Iraque, um dos desdobramentos do atentado.
''O fato de que não falei de política não significa que não possa fazer outro filme sobre o 11 de setembro de uma perspectiva diversa'', saiu-se pela tangente o diretor durante a coletiva em Veneza. Espera-se que ele faça isto sim, já que outrora combativo Stone sabe perfeitamente que a partir daquele dia fatídico nasceram nos EUA decisões oficiais que em pouco tempo trouxeram pesadas consequências para o resto do mundo