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Spielberg e o outro setembro trágico

Carlos Eduardo Lourenço Jorge - Folha de Londrina
27 jan 2006 às 17:25

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- Divulgação
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Já esteve no sétimo céu, mas no momento está no banco dos réus. Alguns mais extremados consideram até que está acabado, que este novo filme será sua danação profissional. Parte da crítica internacional o está acusando neste momento de torcer os fatos, e alguns setores da comunidade judaica internacional não se conformam, achando que ele confundiu vítimas com algozes. Ele é Steven Spielberg, a propósito também judeu. O filme é ''Munique'', que está estreando no Brasil.

Muito além e acima dos segmentos que agora se opõem a ele, Spielberg volta a demonstrar que é diretor de grosso calibre, ambicioso, inquieto e com um claro conceito das muitas interfaces do cinema. E prova que o passado é recorrente: ao contar algo que aconteceu há mais de três décadas, o resultado é um olhar aterrorizante sobre o presente.

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''Munique'' relata em chave ficcional a operação de vingança batizada com o nome-senha de ''A Ira de Deus''. Por meio dela, o Governo de Israel, então presidido pela mítica Golda Meir, usou o serviço secreto israelense, o Mossad, para levar ao pé da letra a lei do Talião. Isto é, perseguir e liquidar todos os membros do comando palestino da facção ''Setembro Negro'' que sequestrou e provocou a morte de onze atletas judeus - com a ''participação'' colateral da polícia alemã - durante os Jogos Olímpicos de Munique, em 1972.

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O episódio, acompanhado ao vivo pela tevê por quase um bilhão de pessoas, é sem dúvida um dos momentos mais emblemáticos do terrorismo moderno, ato que significou lamentável desdobramento no conflito do Oriente Médio e a posterior escalada do terrorismo.

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''Responder a uma agressão com outra agressão cria um círculo vicioso sem qualquer solução à vista'', disse Spielberg ao jornal ''Los Angeles Times'', um dos dois únicos veículos da mídia impressa americana - o outro foi a revista ''Time'' - a obter declarações do diretor.


O recado dele, materializado num discurso cinematográfico que afinal não demoniza qualquer dos lados, não deixa nenhuma dúvida: o governo israelense, ao consumar a represália olho por olho, dente por dente, por meio de um esquadrão armado que há 34 anos já antecipava o que agora se conhece como ''assassinatos seletivos'', perde inteiramente a autoridade moral ao renunciar a seus valores em nome da vingança.

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É mais ou menos óbvio que uma chuva de pedras esteja partindo de Israel, embora reação um tanto paradoxal, tratando-se do cineasta que difundiu os horrores do Holocausto com tanta contundência em ''A Lista de Schindler''. O que parece mesmo incomodar o sionismo é a equivalência em termos de banditismo internacional, o nivelamento entre a barbárie de métodos de quem ataca e a selvageria de métodos de quem defende - ou o melhor ataque é a defesa, invertendo a máxima do futebol.


A partir de ''Vingança'', a novela escrita por George Jonas em 1984 que já serviu de base para um telefilme da HBO, o celebrado roteirista Eric Roth (''O Informante'') e o dramaturgo Tony Kusher (''Anjos na América'') teceram uma teia narrada do ponto de vista de Avner (Eric Bana, ex-Hulk), o agente do Mossad que comanda um time multifuncional especialista em ações secretas de extermínio.

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É a partir das contradições, dele e dos matizes políticos à sua volta, que o filme constrói os conflitos existenciais, morais e éticos, questionando a irracionalidade da violência, o fanatismo e a culpa, o compromisso e a identidade, a lealdade e a paranóia (ecos de ''A Conversação'', de Coppola), a busca da redenção e a participação da família - este o sub-tema mais caracteristicamente spielberguiano.


Em que pese a audácia de sua proposta em várias frentes - como narrativa, como dramaturgia, como peça de cunho político -, ''Munique'' traz elementos que podem irritar exibidores e segmentos diversos de público.


É demasiadamente longo e reiterativo, o que emperra aqui e ali sua narrativa de thriller de espionagem estilo Hollywood anos 70 (''Três Dias do Condor'', ''A Trama''), também tributária de Costa-Gavras (''Z''). É misógino no trato com os personagens femininos. E pode ser muito superficial e simplista para especialistas em Oriente Médio.

Mas seja como for, aos 59 anos, milionário, Midas das bilheterias, há muito não tendo que provar nada a ninguém, Spielberg fez do risco sua maior arma em ''Munique''. Sem medo da polêmica, usou da autoridade de diretor testado e consumado e meteu o dedo na ferida mais duradoura e dolorosa do mundo político contemporâneo. O resultado é um convite permanente à reflexão e à discussão. E isto não é pouco.


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