Unir cinema e cozinha é exercício a que os filmes se entregam de tempos em tempos – e a crônica cinéfila registra títulos entre curiosos, interessantes, originais, saborosos e até cult. Há para todos os paladares, desde os escatológicos ‘A Comilança’ lá nos anos 1970 e o mais recente ‘O Cozinheiro, o Ladrão, Sua Mulher e o Amante’ passando pelo agridoce ‘Comer, Beber, Viver’, pela sublime ‘Festa de Babette’, pelo cardápio mágico de ‘Como Água para Chocolate’ e até chegar a esta última fornada ainda em exibição.
Em 2001, a roteirista e diretora alemã Sandra Nettlebeck foi para a cozinha munida de muita imaginação, especiarias e câmeras, e o resultado foi um prato notável, com excelente sabor, rigorosamente ao ponto e facilmente digerível: ‘Simplesmente Marta’, que está nas locadoras em VHS e DVD. Agora, seis anos depois, e provando como andam escassos os ingredientes culinários hollywoodianos, chega a refilmagem da história da ‘chef’ Marta em ‘Sem Reservas’. Melhor seria: com reservas.
O filme focaliza a bela Kate (Catherine Zeta-Jones), bem sucedida chef que administra com mão de ferro a cozinha de um pequeno mas conceituado restaurante em Nova York – cozinha onde, curiosamente (sic), somente os negros e os hispanos cobrem a cabeça, prestem atenção. Sua austera rotina de trabalho, agregada a sessões de terapia e a uma vida social nula, sofre um forte baque quando subitamente morre a irmã, deixando como ‘herança’ para Kate a sobrinha de 8 anos, Zoe (Abigail Breslin).
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Para complicar um pouco mais, a dona do restaurante (Patrícia Clarkson) contrata um sub-chefe, Nick (Aaron Eckhart) para ajudar a agora sobrecarregada Kate. Ele tem treinamento ‘italiano’, é um desses livres pensadores da gastronomia, movido à ópera e, como toda a equipe do filme, tem como paradigma permanente o filme ‘A Grande Noite’ .
Enquanto ‘Simplesmente Marta’ era filme para o gozo dos sentidos, autêntica alegoria culinária, uma delicia de cinema humilde, sincero, sem grandes pretensões, este ‘Sem Reservas’ lembra mais uma cozinha industrial (e impessoal), entretenimento que apenas pretende atrair um publico adulto que ainda acalenta fantasias românticas – não que sejam descartáveis, as fantasias românticas, mas é preciso ter dom para o molho... Para que isto se concretize, o roteiro descarta as implicações ricas em humanismo do original alemão e repisa os clichês de sempre – casal que a princípio se odeia e depois se ama e a providencial/estratégica intervenção da garota.
Scott Hicks, que surgiu na Austrália com o furacão ‘Shine’, nem remotamente lembra aquele voluntarioso diretor da estréia. ‘Sem Reservas’ está sendo vendido mundo afora como iguaria, mas o banquete de fato está em ‘Ratatouille’, ainda em exibição e no momento o único cinco estrelas a garantir lugar no guia Gault et Millau do receituário do cinema.