Senão vejamos este rápido inventário a título de abertura: vingança, assassinatos em massa, canibalismo e sangue, baldes e baldes. E uma Londres vitoriana e sombria dia e noite. Isto em essência é ''Sweeney Todd, o Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet''. No filme, a dupla Tim Burton-Johnny Depp leva ao paroxismo (e com humor) a fama de assustar indistintamente crianças e adultos ao longo de muitos anos.
''Sweeney Todd'' mostra um Burton sangrento como nunca, bem mais que em ''A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça''. Também obscuro como há muito não se via e mais desesperançado em relação a finais e personagens anteriores. O diretor, que nos últimos filmes pareceu moderado por uma estética, digamos, mais terna, se reaproxima aqui do impiedoso teatro do grand guignol, visceral, excessivo, operístico.
Você pode até não gostar, mas é impossível negar ao artista o talento lapidado na mais autêntica bizarria e capaz de gerar imagens de inegável beleza, mesmo que saído do mais puro gore - aquele tipo de filme com extrema e explícita violência física.
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A partir de um personagem clássico que pode ter existido de fato há cerca de 150 anos, mas que pertence mais ao terreno fértil das lendas urbanas, o compositor Stephen Sondheim criou letras e músicas para um triunfal espetáculo da Broadway, encenado pela primeira vez há 30 anos.
Apaixonado pela obra, e com a garantia de contar com seu ator-fetiche, amigo e compadre Johnny Depp, Tim Burton filmou com garra esta adaptação roteirizada por John Logan (''Gladiador'') e pelo próprio Sondheim, cujas letras aterrorizantes são atração à parte.
A trama é sobre Benjamin Barker (Depp), barbeiro que volta a Londres 15 anos depois de injustamente exilado e forçado a deixar mulher e filha. Obcecado pela vingança, e com a ajuda de Mrs. Lovet (Helena Bonham-Carter), toma o nome de Sweeney Todd e traça um plano que prevê degola massiva a golpes de navalha, na cadeira de barbeiro.
A dupla, que vive em paralelo uma sinistra história de amor, castiga a torto e a direito. Mas para Burton a vingança vai mais além das pessoas que o atingiram: o alvo são também as injustiças que causam a pobreza, e esta Londres do século 19, vitoriana, falsamente moralista e hipócrita - o personagem do juiz Turpin (Alan Rickman) dá bem a medida da moral dúbia sobre a qual se assenta o sistema.
O criador de ''Eduardo Mãos de Tesoura'' trouxe então à luz (seria quem sabe à sombra...) esta fantasia gótica coagulante, singular por sua quase recusa ao realismo e adesão-adequação a uma variante rara de expressionismo - opção estética que privilegia a reduzida paleta de cores dominada pelo vermelho-sangue e o cinza.
Apesar de sombrio e cruel, ''Sweeney Todd'' conserva o tom de fábula que é uma das principais características de Burton. Que dirige como se sua obra fosse uma espécie - muito pessoal, obviamente - de carta de amor endereçada a velhos clássicos do cinema arrepiante dos anos 1930 e 1940.
O filme, fascinante sem dúvida, é um musical de terror, mas também um drama com diabólica intersecção onde se dá o encontro com a comédia, negra, negríssima. A história é toda narrada através das canções de Sondheim, e ninguém dubla os atores. Ponto para Depp, que se sai bravamente desta selva de estranha, difícil musicalidade muitas vezes dissonante.