"Vocês vão ter que me engolir", parece ecoar na voz e nas imagens conturbadas do diretor pernambucano Cláudio Assis a frase irreverente e ressentida do velho lobo Zagalo dirigida à imprensa há exatos dez anos, por coincidência quando uma desacreditada seleção brasileira conquistava na Bolívia a Copa América.
Depois do saudável engasgo de ‘Amarelo Manga’, na insólita estréia de Assis em 2003, decorridos quatro anos o momento é de saborear e engolir ‘Baixio das Bestas’, seu segundo e virulento opus que estréia em Londrina, avalizado por uma crescente lista de prêmios importantes aqui e nos exterior, entre eles melhor filme e mais cinco troféus Candango ano passado no Festival de Brasília e melhor filme no Festival de Roterdã.
Há, claro, os que refugam ou vomitam a dieta de Assis, mas ninguém pode negar no mínimo a força de um cinema que não tem pudores ou falsos moralismos para dar seu recado.
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Em uma pequena cidade da Zona da Mata pernambucana, a sobrevivência dos moradores se equilibra em três alternativas: a cana-de-açúcar, o maracatu como mercadoria artística e o sexo. Nesta última vertente se abriga o velho Heitor. Sem condições para o trabalho braçal e sem paciência para o folclore, resta a ele o sexo. Ganha dinheiro exibindo a nudez da neta Auxiliadora, de 16 anos, para caminhoneiros na beira da estrada. Ele já fazia o mesmo com a filha, antes que ela fugisse.
Por outro lado, agroboys filhos de fazendeiros e políticos locais gastam o tempo bebendo, se drogando e se exibindo nas caminhonetes sertanejas ou aprontando no bordel. Muita bestialidade, muita impunidade. Prostitutas e Auxiliadora sintetizam a subvida crua e chocante da mulher oprimida no interior do agreste brasileiro. O tom geral é de decadência, física e moral.
Diante do que desfila na tela, tudo leva a crer que Cláudio Assis considera o cinema uma tribuna por excelência para denúncias sociais – ele até faz o personagem de Mateus Nachtergaele afrontar a câmera (e o público) afirmando que o bom do cinema é que nele você pode fazer o que você quiser.
Para isto utiliza uma metodologia incômoda, cruel até, com personagens sem máscaras ou maquiagem. Provocador por excelência, sem qualquer concessão escapista, Assis dá o que pensar e falar ao mostrar um Brasil desesperançado.
‘Baixio das Bestas’, auxiliado e muito pela força de um elenco de primeira, tem somente uma desvantagem, se é que se pode definir assim: golpeia todo o tempo, mas não fornece nenhum lenitivo, nenhuma compressa, nenhum alívio.